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janeiro 26, 2021

CANÇÃO DE UM CREPÚSCULO CARICIOSO



CANÇÃO DE UM CREPÚSCULO CARICIOSO

 A tarde expira, serena... 
Adormece em minha mão 
a pena suave, a pena 
com que, na tarde serena,
 vou compondo esta canção. 

 Um casinholo da vila,
 na sombra do entardecer, 
iluminado cintila. 
O movimento da vila 
começa agora a morrer. 

 Vem de longe, dos carreiros,
 a mágoa sentimental 
da canção dos boiadeiros. 
Que doçura nos carreiros, 
ocultos no matagal! 

 Num recôncavo da praia, 
soturno soluça o mar. 
Soluça... A tarde desmaia... 
E o mar no lenço da praia 
limpa os olhos, a chorar... 

 Muito à distância, navios 
que o crepúsculo esfumou,
 vão partindo, fugidios...
 A voz triste dos navios 
diz adeus a quem ficou...

 E a tarde expira, serena... 
Adormece em minha mão 
a pena suave, a pena 
com que, a tarde serena, 
vou compondo esta canção...
 
Ribeiro Couto

NO JARDIM NA PENUMBRA



 NO JARDIM EM PENUMBRA

Na penumbra em que jaz o jardim silencioso
A tarde triste vai morrendo... desfalece...
Sobre a pedra de um banco um vulto doloroso
Vem sentar-se, isolado, e como que se esquece.

Deve ser um secreto, um delicado gozo
Permanecer assim, na hora em que a noite desce,
Anônimo, na paz do jardim silencioso,
Numa imobilidade extática de prece.

Em lugar tão propício à doçura das almas
Ele vem meditar muitas vezes, sozinho,
No mesmo banco, sob a carícia das palmas.

E uma só vez o vi chorar, um choro brando...
Fiquei a ouvir... Caíra a noite, de mansinho...
Uma voz de menina ao longe ia cantando.

Ribeiro Couto

SONETO DA FIEL INFÂNCIA

 


SONETO DA FIEL INFÂNCIA 

Tudo que em mim foi natural — pobreza,
 Mágoas de infância só, casa vazia, 
Lutos, e pouco pão na pouca mesa —
 Dói na saudade mais que então doía. 

 Da lamparina do meu quarto, acesa 
No pequeno oratório noite e dia, 
Vinha-me a sensação de uma riqueza 
Que no meu sangue de menino ardia. 

 Altas horas, rezando no seu canto, 
Minha mãe muitas vezes soluçava 
E dava-me a beijar não sei que santo. 

 Meu Deus! Mais do que o santo que eu beijava, 
Faz-me falta o cair daquele pranto 
Com que ela junto ao peito me molhava. 

 Ribeiro Couto

ESQUECER

ESQUECER

Longos dias de sonho e de repouso...
Ócio e doçura... Sinto, nestes dias,
Meu corpo amolecer, voluptuoso,
Num desfalecimento de energias.

A ler o meu poeta doloroso
E a fumar, passo as horas fugidias.
Entre um cigarro e um verso vaporoso
Sou todo evocações e nostalgias.

Quando por tudo a claridade morre
E sobre as folhas do jardim doente
A tinta branca do luar escorre,

A minha alma, a mercê de velhas mágoas,
É um pássaro ferido mortalmente
Que vai sendo arrastado pelas águas.
 
Ribeiro Couto 

CHUVA


CHUVA

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
Se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria...

Ah! para que falar? Como é suave, brando,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando...

Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.

Chove dentro de nós... Chove melancolia...

Ribeiro Couto
In O Jardim das Confidências.

CANÇÃO DE UM CREPÚSCULO CARICIOSO



CANÇÃO DE UM CREPÚSCULO CARICIOSO

A tarde expira, serena...
Adormece em minha mão
a pena suave, a pena
com que, na tarde serena,
vou compondo esta canção.

Um casinholo da vila,
na sombra do entardecer,
iluminado cintila.
O movimento da vila
começa agora a morrer.

Vem de longe, dos carreiros,
a mágoa sentimental
da canção dos boiadeiros.
Que doçura nos carreiros,
ocultos no matagal!

Ribeiro Couto

A ALEGRIA DA TERRA SOB O AGUACEIRO

 

A ALEGRIA DA TERRA SOB O AGUACEIRO

Do céu cinzento a chuva em fios longos coa ...
Molha-se o parque. Vê, que alegria na terra!
Toada a paisagem bebe a água da chuva boa
E uma bruma sutil entre as árvores erra.
Bom tempo! Quando chove é que é bom tempo ...
Sinto
Que no meu coração, qualquer coisa desperta.
Qualquer coisa ... Talvez um sofrimento extinto.
Talvez mesmo outra vida, uma outra vida incerta ...
Escutando o bater da chuva nos telhados
Tenho um desejo triste, um desejo doente
De viver só, viver entre livros amados,
Numa cidade que imagino vagamente ...
Olho, desencantado, as águas da baía:
No mar, que a chuva torna um pouco mais distante,
Vem fugindo uma vela em demanda no cais.
E de um pontinho muito apagado, lá adiante,
Uma fumaça diz adeus ... “ Não volto mais!...”
Olho de novo o parque. Entre as árvores erra
A bruma leve que as envolve e acaricia ...
A bruma tem a volúpia longa e fria ...
Como que a bruma é o gesto amoroso da terra,
Um gesto mole de desejo e nostalgia,
Para a folhagem sob o aguaceiro macia...

Ribeiro Couto
Melhores Poemas

CAI A CHUVA ABANDONADA


CAI A CHUVA ABANDONADA

Cai a chuva abandonada
à minha melancolia,
a melancolia do nada
que é tudo o que em nós se cria.

Memória estranha de outrora
não a sei e está presente.
Em mim por si se demora
e nada em mim a consente

do que me fala à razão.
Mas a razão é limite
do que tem ocasião

de negar o que me fite
de onde é a minha mansão
que é mansão no sem-limite.
Ao longe e ao alto é que estou
e só daí é que sou.

Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'


BUSCA


 
Busca
(reginahelena)

Em meio ao som da chuva
ouço o meu coração
batendo na cadência dos meus passos,
arrastando a água...

tudo é inútil, eu sei
e vejo agonizar em mim a esperança.
...e então, mergulho de vez na embriaguez
da mística loucura da saudade.

AO SONO

 


AO SONO 

 Rebanho de ovelhas que lentamente passa 
Uma de cada vez, o som da chuva e o farfalhar 
Das folhas ao vento, abelhas, cascatas e o mar, 
Prados, lenços d’água e o céu que esvoaça; 

Sobre eles divaguei, um por um e ainda estou 
Desperto! Logo os pássaros cantando 
Nas árvores do pomar estarei escutando, 
E o primeiro trinado do cuco que lá pousou. 

 Ontem e nas duas outras noites foi assim Sono! 
Com todos os ardis não te pude receber: 
Poupes-me nesta noite, vem a mim 

 Sem ti, que seria do encanto do alvorecer? 
Vem, barreira entre o dia e a noite, enfim, 
Pai do fresco pensar e do saudável viver!

 William Wordsworth 
in O olho Imóvel pela Força da Harmonia


Obrigada pela visita.
Volte sempre.

EU OUÇO MÚSICA

 



EU OUÇO MÚSICA 

 Eu ouço música como quem apanha chuva: 
resignado 
e triste 
de saber que existe um mundo 
do Outro Mundo... 

 Eu ouço música como quem está morto 
e sente já 
um profundo desconforto 
de me verem ainda neste mundo de cá... 

 Perdoai,
 maestros,
 meu estranho ar! 

 Eu ouço música como um anjo doente 
que não pode voar. 

 Mario Quintana, 
in Apontamentos de Historia Sobrenatural


Agradeço sua visita. 
Volte sempre e comente!

SEM TI E CONTIGO

 

Sem ti e Contigo 
(regina helena, sem verbo) 

 nas brumas do escuro mar
 ou nas areias frias de um deserto
 num breve segundo, a eternidade
 nas tristes sombras da saudade
 ...impensada dor da minha treva 

depois de tão longa caminhada 
de solitária dor, alma sofrida 
pelos caminhos rudes desta lida 
contigo, em meus braços, minha vida,
...impensada luz da minha treva

À MINHA TERRA


 

À Minha Terra
 (Regina Helena) 

Cidade dos meus encantos, terra minha! 
plantei saudades no solo da tua lembrança 
e só colhi desesperança!

 Semeei estrelas no escuro da minha dor 
mas no céu que te emoldura 
só vi a solidão de tão longa despedida... 

 Quantas saudades, cidade amada minha!
 Dos teus lindos campos... 
Da tua praça, da bandinha, da calçada da igreja, o som do sino...

 Ah, cidade amada! Pequenina dos meus sonhos... 
Tudo em ti rimava com felicidade... Mas hoje,
 Nenhum verso combina com tanta saudade...

O CORTEJO

 


O Cortejo
(regina helena)

e então, seguíamos na longa caminhada
pasmos, lívidos ante a dor medonha...
e em nosso rastro, a solidão da noite
a nos contemplar, sombria e muda!

parecíamos zumbis, calados, tristes...
entre um suspiro e outro,
a dor se revelando... e a noite,
parecia só nossa, calma, cúmplice...

mas, numa curva qualquer desse caminho,
pessoas em festa! um cão latindo,
crianças brincando! casais sorrindo!
gritos de alegria. Dança!

Eles não veem a nossa dor passar?
não sabem que o céu desabou sobre nós
e a terra se abriu e nos deixou sem chão?
Como podem viver, se a morte passa?!!!

e então, em meio à dor, o entendimento!
o inexorável, o inevitável fim,
vem para todos! mas naquele dia,
era a nossa vez, e a dor, só nossa!

POR AÍ ALÉM

 


POR AÍ ALÉM 
(Carlos Drummond de Andrade)

 Deixa um momento o asfalto, 
vem comigo, entre jogos de sombra e claridade 
conhecer a cintura da cidade. 

 Respira a plenitude do silêncio 
destes montes e montes sucessivos 
que ignoram a dor dos seres vivos.

 Mergulha no mistério vegetal 
da mata exuberante, onde as lianas 
e as bromélias se calam, soberanas.

 E na imobilidade do saveiro
 diante da igrejinha, vai sentindo 
o que é doçura e paz na hora fluindo.

HAICAI



Estou sempre em viagem. 
O mundo é a paisagem 
que me atinge de passagem

 Helena Kolody 
in "Viagem Submersa

OUTONO




Outono
(Miguel Torga)

Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.

POBRES ROSAS DE CINTRA

Pobres Rosas de Sintra

Toma essas rosas de Dezembro, agora,
 Que ao frio, à chuva, esta manhã colhi, 
Elas trazem humildes, lá de fora, 
Saudades da montanha até aqui. 

 Hão de morrer d’aqui a pouco, embora! 
Em cada curva onde o perfume ri, 
Trazem mais o terno duma hora, 
Que um frágil coração bateu em ti. 

 Aceita-as pois, mas, como a vida é breve 
E, um dia, perto, leve e branca a neve, 
Há-de cair sobre o teu peito em flor, 

 (Não vá Dezembro algum murchar-te o encanto) 
Deixa tu que eu te colha agora, enquanto 
Tens sol, tens mocidade e tens amor. 

 Nunes Claro 
 De "Cinza das Horas"

ETERNA CHUVA



ETERNA CHUVA

Chove lá fora e a chuva apaga a poeira
Da minha estrada que não tem mais fim!
Seria bom que pela vida inteira
Essa chuva caísse sobre mim!

Sinto que a minha estrada sem palmeira,
Deserta, vasta e prolongada assim,
Impulsiona a minha alma sem canseira,
Para o mundo esquisito do senfim!

E eu marcho resoluto para a frente!
Cai-me a chuva nos ombros, de repente
Eu mais apresso a minha caminhada!

E assim prossigo nesse sonho eterno,
Sob a sentença de um constante inverno,
Sem promessas de sol na minha estrada!

Jansen Filho
In: Obras Completas