Seja bem-vindo. Hoje é

março 31, 2021

Devora-me a palavra...



Devorava-me a palavra não dita. 
Havia um beco escuro, 
acabando com as minhas certezas.

Ana Sandra


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março 30, 2021

Ando tão presa...


Ando tão presa que 
as asas gritam de dor.

Ana Sandra



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março 16, 2021

A solidão era eterna...



A solidão era eterna
e o silêncio inacabável.
Detive-me com uma árvore
e ouvi falar as árvores.

Juan Ramón Jiménez


Agradeço sua visita. 
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Quando eu estiver com as raízes...


Quando eu estiver com as raízes
chama-me com tua voz.
Irá parecer-me que entra
a tremer a luz do sol.

Juan Ramón Jiménez


Agradeço sua visita. 
Volte sempre e comente!



março 15, 2021

Eu não voltarei...



Eu não voltarei. E a noite
morna, serena, calada,
adormecerá tudo, sob
sua lua solitária.
Meu corpo estará ausente,
e pela janela alta
entrará a brisa fresca
a perguntar por minha alma.

Ignoro se alguém me aguarda
de ausência tão prolongada,
ou beija a minha lembrança
entre carícias e lágrimas.

Mas haverá estrelas, flores
e suspiros e esperanças,
e amor nas alamedas,
sob a sombra das ramagens.

E tocará esse piano
como nesta noite plácida,
não havendo quem o escute,
a pensar, nesta varanda.

Juan Ramón Jiménez


Agradeço sua visita. 
Volte sempre e comente!



Algumas flores...



Algumas flores
teimam em viver
apesar do peso
apesar da morte
apesar de algumas
que teimam em morrer
apesar de tudo

Alice Ruiz


Agradeço sua visita. 
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março 14, 2021

TODAS AS ROSAS...



Todas as rosas são a mesma rosa,
amor!, a única rosa;
e tudo está contido nela,
breve imagem do mundo,
amor!, a única rosa.

Juan Ramón Jiménez

Agradeço sua visita. 
Volte sempre e comente!




ESQUECI TEU ROSTO



...esqueci teu rosto!
Por um breve momento,
esqueci teu rosto.

A serenidade do teu semblante,
o brilho do teu olhar,
a mansidão do teu falar.

esqueci teu rosto
e entrei em pânico!

Impossível viver
sem a nitidez da tua lembrança!

Mas uma luz se acendeu
e tudo voltou!

- a visão de um anjo,
que  nos guiou na infância
e assim permanece, 
apesar dos anos!

Regina Helena


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março 13, 2021

O POEMA DEVE SER COMO...


O poema deve ser como a estrela que
é um mundo e parece um diamante.

Juan Ramón Jiménez


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ARCO-ÍRIS



ARCO-ÍRIS

Choveu tanto esta tarde
Que as árvores estão pingando de contentes.
As crianças pobres, em grande alarde,
Molham os pés nas poças reluzentes.

A alegria da luz ainda não veio toda.
Mas há raios de sol brincando nos rosais.
As crianças cantam fazendo roda,
Fazendo roda como os tangarás:

"Chuva com sol!
Casa a raposa com o rouxinol."

De repente, no céu desfraldado em bandeira,
Quase ao alcance da nossa mão,
O Arco-da-Velha abre na tarde brasileira
A cauda em sete cores, de pavão.

Olegário Mariano,
em Canto da Minha Terra (1930).



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ARAMES


ARAMES

Minha poesia é cheia de lugares comuns
Com alguns quadros espalhados
Dias quase sempre nublados
Tijolos comuns assentados

Ela navega bem longe da filosofia
Pega algum violão emprestado
Às vezes sorri, às vezes chora
Às vezes tenho vontade de ir embora

De caminhar mundo a fora
Pegar carona numa música
Que me faça bem ao ouvir

Minha poesia é como folha solta no vento
Rasgada pelos arames farpados
Por muros que escondem o outro lado

Arnoldo Pimentel


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VOZ DE OUTONO

 
Voz de Outono 
(Antero de Quental) 

Ouve tu, meu cansado coração, 
O que te diz a voz da Natureza:
 — «Mais te valera, nú e sem defesa, 
Ter nascido em aspérrima soidão, 

 Ter gemido, ainda infante, sobre o chão 
Frio e cruel da mais cruel deveza, 
Do que embalar-te a Fada da Beleza, 
Como embalou, no berço da Ilusão!

 Mais valera à tua alma visionária 
Silenciosa e triste ter passado 
Por entre o mundo hostil e a turba vária, 

 (Sem ver uma só flor, das mil, que amaste) 
Com ódio e raiva e dor... que ter sonhado 
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» 

— Antero de Quental, 
em "Sonetos"


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março 12, 2021

A NOITE


A NOITE
(Julia da Costa)

Brilha o céu, mas em vão soluça de brada
A terra ansiosa, com pueril receio!
É densa a treva; nessa paz calada
Funda tristeza nos oprime o seio!

Tudo fenece, embaixo da orvalhada
Repousa o campo de perfumes cheio!
Negro é o mar, a floresta sossegada,
Dormem as aves da espessura em meio!

Embalde a noite traiçoeira e linda
Enche de encanto os bosques e atalhos,
E, enquanto de fulgor o espaço alinda,

Seu manto enfeita de gentis orvalhos:
Mentem os ermos na amplidão infinda!
Mentem as flores a tremer nos galhos!


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LUNAR


LUNAR
(Mário Quintana)

As casas cerraram seus milhares de pálpebras.
As ruas pouco a pouco deixaram de andar.
Só a lua multiplicou-se em todos os poços e poças.
Tudo está sob a encantação lunar...

E que importa se uns nossos artefatos
lá conseguiram afinal chegar?
Fiquem armando os sábios seus bodoques:
a própria lua tem sua usina de luar...

E mesmo o cão que está ladrando agora
é mais humano do que todas as máquinas.
Sinto-me artificial com esta esferográfica.

Não tanto... Alguém me há de ler com um meio sorriso
cúmplice... Deixo pena e papel... E, num feitiço antigo,
à luz da lua inteiramente me luarizo...


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NOTURNO

NOTURNO
(Antero de Quental)

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...

Como um canto longínquo – triste e lento –
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!


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O CONSELHO DAS ÁRVORES


O CONSELHO DAS ÁRVORES
(Olegário Mariano)

Sofro, luz dos meus olhos, quando dizes
Que a vida não te alenta nem conforta.
Olha o exemplo das árvores felizes
Dentro da solidão da noite morta.

Que lhes importa a dor, que lhes importa
O drama que há no fundo das raízes?
Não sentem quando o vento os ramos corta
E as folhas leva em várias diretrizes?

Que lhes importa a maldição do outono
E os dedos envolventes da garoa,
Se dão sombra às taperas no abandono?!...

Levanta os braços para o firmamento
E canta a vida porque a vida é boa
Mesmo esmagada pelo sofrimento.


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SILÊNCIO

 

SILÊNCIO
(Medeiros e Albuquerque)

Cala. Qualquer que seja esse tormento
que te lacera o coração transido,
guarda-o dentro de ti, sem um gemido,
sem um gemido, sem um só lamento!

Por mais que doa e sangre o ferimento,
não mostres a ninguém, compadecido,
a tua dor, o teu amor traído:
não prostituas o teu sofrimento!

Pranto ou Palavra - em nada disso cabe
todo o amargor de um coração enfermo
profundamente vilipendiado.

Nada é tão nobre como ver quem sabe,
trancado dentro de uma dor sem termo,
mágoas terríveis suportar calado!


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SOL DE UMA PAIXÃO


SOL DE UMA PAIXÃO
(Claudia Dimer)

Eu te preciso, amor, na solidão
E na alegria mais ensandecida...
Em mim, no meu olhar, na minha vida,
Na fantasia pura e na razão.

Na dor, na paz, no riso de emoção,
Em tudo o que é momento e comovida,
Estática de amor e agradecida
Por seres o meu Sol de uma paixão!

Eu te preciso, as vezes e constante,
Nem que eu me torne estrela fulgurante,
Ou me transforme em lua tão bonita;

Vou precisar-te, afirmo tão fiel...
O que será da lua lá no céu
Se não houver um sol que ela reflita?!


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O MISTÉRIO



O MISTÉRIO
(Tasso da Silveira)

Quem sentiu a angústia verdadeira?
Quem penetrou o fundo dessa dor?
Tomam todos o brilho da lareira
pela estrela (tão alta!) do pastor ...

Soluçando e cantando é que a alma inteira
escondes por orgulho ou por pudor,
para guardá-la, assim, da humana poeira,
dentro desse mistério redentor!

Nunca ninguém te soube ver, disperso
no teu canto sentido, a dor que avulta
dia a dia ... O secreto, íntimo mal,

que é presente e invisível no teu verso,
como o perfume de uma flor oculta
como Deus na grandeza universal! ...



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SONHOS MORTOS


 SONHOS MORTOS
(Pe. Antônio Tomaz)

Tive sonhos azuis, na mocidade,
Que vinham, como pássaros em festa,
Encher-me o seio – um canto de floresta –
De gratos sons, de viva alacridade.

Mas um dia a cruel realidade
Pôs-lhes em cima a rude mão funesta
E exterminou-os... Nenhum mais me resta
Na minha negra e triste soledade.

Hoje o meu seio inerte, mudo e frio,
Se converte em túmulo sombrio
Por sobre o qual gementes e tristonhos,

Alvejantes fantasmas se debruçam:
São as meigas saudades que soluçam
Sobre o jazigo eterno dos meus sonhos.



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FLOR DA ALMA


FLOR DA ALMA
(Afonso Estebanez)

Vem desse amor eterno de você
uma canção tangida pelo vento
uma flauta no som do pensamento
que ressoa na alma e não se vê...

Brisa da tarde nos florais do ipê
num cântico de beijos ao relento...
Um feitiço de amor à flor do tempo
que vem sem precisar dizer porquê...

Uma canção de ser tão docemente
percebida... Tão leve se pressente
que a gente nem precisa perceber...

Basta ao amor plural de sua vida
saber-se a alma eterna e resumida
na alma de uma flor no alvorecer...




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QUANDO FLORA O IPÊ


QUANDO FLORA O IPÊ
(Jenário de Fatima)

Como é bonito ver o ipê que flora,
Pelo cerrado neste mês de agosto.
Com tanta seca, tanto cinza exposto
E tanta aridez pelo campo afora,

O Amarelo-Roxo, abre, revigora
Feito um doce alento a bater no rosto
Como se Deus ali tivesse posto
Um sopro de vida, num mundo que chora.

Vendo o cerrado, penso agora em mim!
Ando distorcido, ando tão descrente
Como há muito tempo, não me via assim.

Mas minha cabeça, esperançosa vê,
Que no meio de tudo in-sis-ten-te-men-te,
...Flora bem distante... Pequenino ipê...


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SONETO NOTURNO

SONETO NOTURNO
(Ruy Espinheira Filho)

Penso na noite como um rio profundo
e lembro coisas deste e de outro mundo.
Outros mundos, aliás, que a vida é vasta
como diversa. E mesmo assim não basta,

o que nos faz tecer ainda outras vidas
nas nuvens da alma, e que nos são vividas
com tanta força quanto as outras mais,
em seus sonhos de agora e de jamais

(ou melhor: com mais força, pois que estamos
ainda mais vivos no que nos sonhamos).
Penso na noite como um mar sem fim

quebrando sombras sobre o cais de mim.
E , enfim, sem esperanças e sem prece,
pressinto a noite que não amanhece.


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PINGO DE CHUVA



PINGO DE CHUVA

O que penso,
o que digo,
o que sou ...
Pingo de chuva no mar.

Helena Kolody
in Correnteza


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março 11, 2021

SONETO LLOVIENDO




Soneto lloviendo

No hace falta que llueva como llueve este día,
y, sin embargo, llueve desde el amanecer.
Si hay rosas y retoños, ¿para qué llovería?
Si ya todo florece, ¿qué más va a florecer?
 
Llueve obstinadamente y en la calle vacía
las gotas de la lluvia son pasos de mujer.
Pero cierro los ojos y llueve todavía,
y al abrirlos de nuevo no deja de llover.
 
Yo sé que no hace falta que llueva, pero llueve.
Y recuerdo una tarde maravillosa y breve,
que fue maravillosa porque llovía así...
 
Y es tan triste, tan triste, la lluvia en mi ventana,
que casi me pregunto, dulce amiga lejana,
si no estará lloviendo para que piense en ti.

de José Ángel Buesa


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BUSCA


BUSCA
(reginahelena)

Na rua escura caminho, enquanto a chuva cai
formando com as minhas lágrimas
uma densa cortina que não me separa
da dor de te buscar

Em meio ao som da chuva
ouço o meu coração
batendo na cadência dos meus passos,
arrastando a água...

tudo é inútil, eu sei
e vejo agonizar em mim a esperança.

...e então, mergulho de vez na embriaguez
da mística loucura da saudade.


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SONETO ONÍRICO




VAI CHOVER

Vai chover, e eu vou estar mais triste.
  Chuva é distância: esfuma, apaga, esconde. 
Doerei por não saber por não saber se ainda existe
o verde luar e sonha um quando e um onde.

(É talvez mais mortal haver sorrido
sombras que os o,lhos já terão perdido...)
que ter chorado: talvez guarde a boca
Sinto distância em mim. A vida é oca,

e dentro dela chovo, transbordando,
minha cinza, meu longe, estes em que ando
restos de sons e faces de arrebol;

e vejo entre submissa névoa e vento
reabrir-se em curva de ouro o pensamento
das horas que moraram no teu sol.

Abgar Renault
Obra Poética – l.990 –


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MENINA DE AZUL



MENINA DE AZUL

Em todos os relógios
da cidade, os ponteiros
marcam a hora
inesperada da inocência.
Tudo parece perfeito,
Excepto o meu rosto
de menina, asfixiado
na moldura do tempo.

Graça Pires
De Fui quase todas as mulheres de Modigliani



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março 10, 2021

LONGE UMA PÁLIDA ESTRELA




Longe uma pálida Estrela
Sua luz alçou –
A Lua o chapéu de prata
Lívida soltou –
Clara iluminou-se a Noite
No Salão Astral –
Meu Pai, ao Céu me dirijo,
Tu és pontual –

Emily Dickinson

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CHOVE DENTRO DA MINHA ALMA



CHOVE DENTRO DA MINHA ALMA

Ouço bem a chuva que dentro da minha alma cai.
Debruço-me num tempo erguido pela nostalgia
e a chuva é mais fria.
Procuro em meu coração uma tristeza qualquer;
talvez assim encontre aquecimento
e mude o ritmo da chuva
por algum momento.
Busca em vão.
A chuva continua em compasso firme e lento
desacompanhada de vento.
Procuro em meu coração
um segundo de descanso
e talvez de exultação;
novamente recorri em vão.
Chove dentro da minha alma
o pranto das noites frias
e das inumeráveis tristezas sem razão.

Adalgisa Nery


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CHOVE. HÁ SILÊNCIO...


CHOVE. HÁ SILÊNCIO...

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego…

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece…

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente…

Fernando Pessoa,
 in "Cancioneiro"


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RESQUÍCIO



RESQUÍCIO

Às vezes
a dor de chuvas passadas
cai em mim tão fina,
reelaborada,
a ponto de não ser eu
assim mais que uma bolha
na espuma da tarde
molhada.
 
Fernando Campanella


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VÉSPER



Os poetas praticam
a jardinagem do Universo
Colhem estrelas maduras
no frontispício da tarde
A noite convoca suas doçuras
o alaúde de jasmineiros
a Via Láctea


Hélio Pellegrino
In Minérios Domados


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POEMA DIALÉTICO



caminho para o dia
_ para o centro
deste dia
_ para a noite
deste dia
_ caminho para a noite
para o centro
_ desta noite
para o dia
_ desta noite "


Hélio Pellegrino


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TODAS AS ÁGUAS DORMEM




Há uma hora certa,
No meio da noite, uma hora morta,
Em que a água dorme. Todas as águas dormem:
No rio, na lagoa,
No açude, no brejão, nos olhos d’água,
Nos grotões fundos.
E quem ficar acordado
Na barranca, a noite inteira,
Há de ouvir a cachoeira
Parar a queda e o choro,
Que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
Todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
Fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
Nas placas da folhagem.
E adormece
Até a água fervida,
Nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
De torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
E chorando, a noite toda,
Porque a água dos olhos
Nunca tem sono...

Guimarães Rosa


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março 09, 2021

O FASCÍNIO DA LUA



Mais perto da infância, anda no ar
uma nova relação com a felicidade.
Cada manhã evoca o cantochão
inaugural da vida
e, nem as pequenas perturbações,
toldam o fascínio da lua nos meus olhos
consumidos de procurar a luz.

Graça Pires



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UM LUGAR DE SOBREVIVÊNCIA




Apesar de tudo, a noite
continua a ser um lugar de sobrevivência,
a contraluz sensual de todas as rotinas,
um barco acostado ao largo dos astros.
Há prosas de fascínio a assinalar improvisos
nas pálpebras da manhã
quando, à mercê do acaso,
um abraço é o secreto anúncio de uma festa.

Graça Pires,
in Conjugar Afectos


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A SERENATA




É a noite lenta,
sonolenta
a grande noite tropical...
O amor põe brotos,
como o lotus,
à flor do lago espiritual.

É a noite clara
feita para
O Bem-Amado e para mim:
A noite é um leito
todo feito
de linhos alvos e marfim...

Branco e tristonho,
no meu sonho,
ó Todo-Amado, és meu luar:
o luar de neve,
suave e leve,
da lua que há no meu olhar...

Entre os teus dedos
há segredos...
E as minhas mãos fanadas são
aves noturnas,
taciturnas,
fazendo ninho em tua mão

Os meus sentidos,
distendidos
ao teu contacto encantador,
são cinco cordas
com que acordas
no bojo da alma a voz do amor...

É a noite lenta,
sonolenta
a grande noite tropical...
O amor põe brotos,
como o lotus,
à flor do lago espiritual.


Guilherme de Almeida 


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CHUVA DE CINZAS



Chuva de cinzas...Cai a tarde lá por fora
na estática mudez da Terra triste e viúva;
e, da tarde ao cair, sinto, minha alma, agora,
embuça-se na cisma e no torpor se enluva.

Hora crepuscular, hora de névoas, hora
em que de bem ignoto o humano ser enviúva;
e, enquanto em cinza todo o espaço se colora,
o tédio, em nós, é como uma cinérea chuva.

Hora crepuscular - concepção e agonia,
hora em que tudo sente uma incerteza imensa,
sem saber se desponta ou se fenece o dia;

hora em que a alma, a pensar na inconstância da sorte,
fica dentro de nós oscilando, suspensa
entre o ser e o não ser, entre a existência e a morte.
 
Gilka Machado
De "Velha Poesia"



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NOITE SELVAGEM




Entro na selva. A noite é espessa. De centenas
de pirilampos toda a mata se ilumina;
astros movem no espaço as rútilas antenas,
como insetos de luz, numa etérea campina.

Ergo ao céu, desço à terra a assombrada retina,
e ante as luzes astrais e ante as luzes terrenas,
a terra e o céu, o céu e a terra, julgo, apenas,
um céu que se distende, alonga e indetermina.

Em cima há tanta luz que o olhar erguido pasma!
Cada estrela parece um luminoso miasma
a medrar, a fulgir da treva na espessura.

e a noite tão negra e tão ampla, e tão densa,
é um pântano infinito, uma lagoa imensa,
a decompor-se em luz, a efervescer na altura.


Gilka Machado


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CAMINHOS




Se caminhamos juntos,
se juntos dividimos,
quem sabe da renúncia
que nos vai conduzindo?

Quem sabe dos intentos
tão distantes, tão próximos,
que amamos em silêncio
como um segredo nosso?

Quem sabe do caminho,
se tudo é tão noturno
e o sonho é como um sino
além, além do mundo?

– Gilberto Mendonça Teles, 
no livro “Hora aberta – Poemas reunidos"


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HINO À NOITE



Ó noite, eu te desejo, e anseio o teu abraço
macio como o luar, quieto como o jazigo.
A fadiga me esvai, domina-me o cansaço,
como um boêmio feliz eu vim dormir contigo.

De sonho em sonho andei. Fui poeta, fui mendigo.
Corri atrás do tempo e me perdi no espaço
e vi se desfazer meu pensamento antigo
e em sangue transformar-se a sombra do meu passo.

Um dia, a procurar-te, olhei para o poente:
na estrada solidão da tarde, impertinente,
um pássaro de sol crepusculava a esmo.

Então eu te encontrei e, em meu triste abandono,
meus olhos disfarcei na volúpia do sono
e caminhei contigo em busca de mim mesmo.

Gilberto Mendonça Teles
In Poemas Reunidos


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PRANTO DE LUAR




No longo espasmo do silêncio, alegre e franca,
A alma dos ventos, ao luar, murmura e fala:
A sombra corre, e tu, lua formosa e branca,
Derramas pelo chão claras manchas de opala.

Eras mortas de amor! Ah! quem te dera tê-las!
Cessaria, de novo, o teu soluço aflito!
Eras em que, sonhando, a sós, sob as estrelas,
Tu passavas com ele através do infinito...

Mas, uma noite, o espaço todo ornado em festa,
Teu esposo partiu, enfim... (Quanto desgosto!)
E dessa desventura extreme ainda te resta
A grande palidez que te ilumina o rosto.

Partiu... Talvez que volte aos lares... Mas enquanto
Ele não volta, em vão o esperas nessa trilha;
Ficas pálida e triste, e choras; o teu pranto
Desce à terra e, ao descer, torna-se luz e brilha.

Chora, infeliz. O pranto as mágoas atenua.
Nunca te canses, dentre as nuvens, de chorar.
Se não chorasses, não teríamos, ó lua,
A poesia sem fim das noites de luar.

Francisca Júlia
 In "Esfinges"



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NOITE DE SAUDADE



A noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu ouço a noite a soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!

Por que é assim tão ´scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!


Florbela Espanca
in ‘Mensageira das Violetas’


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ANOITECER



A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente...
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora,
Tenho bênçãos de amor pra toda a gente!
E a minha alma, sombria e penitente
Soluça no infinito desta hora!

Horas tristes que vão ao meu rosário...
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Ó meu áspero e intérmino Calvário!

E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho...
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...


Florbela Espanca
‘A Mensageira das Violetas’

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CREPÚSCULO




Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes
Borboletas de sol, de asas magoadas,
Pousam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes...

E os lírios fecham... Meu amor não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E a minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes...

O silêncio abre as mãos... entorna rosas...
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando...

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha.
Um coração ardente palpitando...


Florbela Espanca
in ‘A Mensageira das Violetas’


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ALVORECER




A noite empalidece. Alvorecer...
Ouve-se mais o gargalhar da fonte...
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

Há andorinhas prontas a dizer
A missa d´alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe...um vulto que se esvai...
Em cada sombra Colombina trai...
Anda o silêncio em volta a q´rer falar...

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pálido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar...


Florbela Espanca
‘A Mensageira das Violetas’


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NOITE DE SAUDADE



A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!


Florbela Espanca



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AS MULHERES SÃO MAIS FORTES




Para começar, gosto das mulheres.
Acho que elas são mais fortes,
mais sensíveis e que têm mais 
bom senso que os homens.
Nem todas as mulheres do mundo 
são assim, mas digamos que é mais
fácil encontrar qualidades
humanas nelas do que no género
masculino. 
Todos os poderes
políticos,
económicos,
militares
são assunto de homens.
Durante séculos, a mulher teve
de pedir  autorização ao seu
marido ou ao seu pai para fazer
fosse o que  fosse. 
como é que pudemos viver assim 
tanto tempo condenando 
metade da humanidade à 
subordinação e à humilhação?

José Saramago,
 in 'L'Orient le Jour (2007)'


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março 08, 2021

NOITE TRÁGICA




O pavor e a angústia andam dançando...
Um sino grita endechas de poentes...
Na meia-noite d´hoje, soluçando,
Que presságios sinistros e dolentes!...

Tenho medo da noite!... Padre nosso
Que estais no céu... O que minh´alma teme!
Tenho medo da noite!... Que alvoroço
Anda nesta alma enquanto o sino geme!

Jesus! Jesus, que noite imensa e triste!
A quanta dor a nossa dor resiste
Em noite assim que a própria dor parece...

Ó noite imensa, ó noite do Calvário,
Leva contigo envolto no sudário
Da tua dor a dor que me não ´squece!

Florbela Espanca
in "A Mensageira das Violetas" 



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