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fevereiro 28, 2021

UM POR DE SOL

 

UM POR DE SOL

A natureza se transforma lenta!
Fica o ocaso mais rubro! Mais bonito!...
O sol, na sua marcha sonolenta,
Mergulha na janela do infinito!

Tudo é silente! Nem sequer um grito
Se escuta pela tarde pardacenta...
O mundo todo torna-se esquisito
E a noite desce plácida e friorenta!...

O sol com os raios seus já sem fulgores,
No desespero dos seus estertores,
Solta um beijo de luz, tinge o arrebol!...

O poeta fica no delírio imerso!
Contemplando os mistérios do universo
No quadro divinal de um por de sol!

Jansen Filho
In: Obras Completas


ROSA AMARELA

 

ROSA AMARELA

É uma rosa amarela.
Uma rosa de verão.
Sempre uma rosa em botão
estava posta à janela.
Quem mora naquela casa
certamente que sabia
quanto essa rosa em botão,
seja branca ou amarela,
perfuma todo o verão.

Eugénio de Andrade

TU ÉS A ESPERANÇA

 

TU ÉS A ESPERANÇA

Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de setembro
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.

Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.

Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem
fundo, como quem bebe a madrugada.

Eugénio de Andrade,
In: 'As Mãos e os Frutos' 


DESENCANTO

 

DESENCANTO

Muitas vezes cantei nos tempos idos
Acalentando sonhos de ventura:
Então da lira a voz suave e pura
Era-me um gozo d’alma e dos sentidos.

Hoje vejo esses sonhos convertidos
Num acervo de penas e amargura,
E percorro da vida a estrada escura
Recalcando no peito os meus gemidos.

E se tento cantar como remédio
Às minhas mágoas, ao sombrio tédio
Que lentamente as forças me quebranta,

Os sons que arranco à pobre lira agora
Mais parecem soluços de quem chora
Do que a doce toada de quem canta.

Pe. Antônio Tomaz 

SINO



SINO

Sino, coração da aldeia;
Coração, sino da gente;
um a sentir quando bate
outro a bater quando sente.

António Correia de Oliveira 

PÉS



PÉS

Conheço minhas pegadas, de tanto ir e vir.
Às vezes pisam fundo
como carregassem o peso do mundo;
às vezes ficam amassadas
sob o descuido das outras pegadas.
Sobre elas, a lua nova desdobra sua saia
em cena de nudez no chão da praia.
Só perco meus passos na maré cheia:
essa mania do mar de tirar seus sapatos sobre a areia.
Conheço bem minhas pegadas.
Sou capaz de identificá-la em qualquer lugar.
Se ao menos eu soubesse aonde vão me levar... 

Flora Figueiredo
In Chão de Vento 

LIÇÃO DE UM GATO SIAMÊS



LIÇÃO DE UM GATO SIAMÊS

Só agora sei
que existe a eternidade:
é a duração
finita
da minha precariedade
 
O tempo fora de mim
é relativo
mas não o tempo vivo:
esse é eterno
porque afetivo
_dura eternamente
enquanto vivo
 
E como não vivo
além do que vivo
não é
tempo relativo:
dura em si mesmo
eterno (e transitivo)

Ferreira Gullar,
in Muitas Vozes

ENVELHECER



 ENVELHECER

Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

Mario Quintana
In: Sapato Florido

NÓS



NÓS

Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,

e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
- "Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!"

E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...

E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
hão de falar os teus cabelos brancos.

Guilherme de Almeida

MOINHO



MOINHO

São as águas
da delicadeza
que movem o mundo.

Uma palavra amorosa,
um gesto, 
uma carícia,
fazem a Terra
mais azul
e mais leve,
trazem à pele
a memória mais antiga:

Também somos um grão
de estrela e de infinito.

Roseana Murray,
in Manual da Delicadeza 

O MAR E O CAIS


 
O MAR E O CAIS

Oh! ressaca dos dias bravos
O mar a investir contra o cais
E as ondas rebentando no alto!
As espumas, a desfolharem-se,
Caem como pétalas brancas ...
Na sua fúria forte, as águas
Deslocam pedras da amaruda.
Venceu o mar! Perdeu o cais!

Oh! ressaca dos dias bravos em nosso peito ...

Ribeiro Couto 
in Melhores Poemas