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março 26, 2013

LIBERTAÇÃO



LIBERTAÇÃO

NOSSOS desejos se purificaram
e o nosso pensamento
foi subindo, ascendendo, serenando...

Nossas paixões se altearam
como o vento,
que, depois de varrer o pó do chão,
para as estrelas tremulas se eleva,
e, mais alto que a sombra, além da treva,
fica ressoando,
longe e livre, na ignota solidão...

Tasso da Silveira

março 23, 2013

CREPUSCULAR



A incerteza cai com a tarde
no limite da praia. Um pássaro
apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. O
seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da
angústia. Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco de ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro
com o verso, prendo-o à frase,
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra. Então,
a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma.

Nuno Júdice

março 22, 2013

VISTO A VIDA



Visto-me com a saudade
verde dos teus olhos
e repouso no teu amor
que desdobra com calma sua trilha

Tenho-te no trânsito de olhos
sem destino,
num rosto que nada atinge
ou no tempo que em nós, eu vivo

Da tua alma singular
tenho a calma do amanhecer,
o sabor do reencontro
que aniquila tua ausência

Conceição Bentes

março 21, 2013

JÁ NÃO HÁ DOMINGOS



Todas as vidas gastei
para morrer contigo.

E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.

Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.

Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos se desfizeram, redondas cinzas.

Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?

Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.

Todas as mortes gastei
para viver contigo.

Mia Couto

RUBEM ALVES



"Cartas de amor são escritas não para dar notícias,
 não para contar nada, mas para que mãos separadas
 se toquem ao tocarem a mesma folha de papel."

RUBEM ALVES

A LEMBRANÇA



A lembrança dos teus beijos
inda na minh’alma existe,
como um perfume perdido,
nas folhas dum livro triste.

Perfume tão esquisito
e de tal suavidade,
que mesmo desaparecido
... revive numa saudade!

Florbela Espanca

março 19, 2013

LEMBRANÇAS



Lembro, o fogo aceso
no fundo da caverna
ou na clareira da mata,
o chamado das estrelas,
a lua errante, ensanguentada.
Lembro das palavras murmuradas.
Lembro, enquanto viro as páginas
do livro, da vida, toda lembrança
da humanidade é minha.

Roseana Murray
In Poemas para ler na escola

março 16, 2013

ANTONIO CARLOS F.DE BRITO



Ah se pelo menos o pensamento não sangrasse!
Ah se pelo menos o coração não tivesse 
memória!
Como seria menos linda e mais suave
minha história!

Antonio Carlos F. de Brito 

LENÇOS DE SAUDADE



As praias onde vive e dorme e sonha o mar!
Praias de minha terra, ela são uns regaços
Aos quais a gente atira, ansiosamente, os braços,
Com desejos febris de neles descansar ...

É brio do esplendor que se derrama no ar,
Nesses longes sem fim, nos profundos espaços,
E vem como um amparo a todos os cansaços,
Eu junto às praias, sinto a alma sempre a cantar.

Pelas praias vivi e delas ainda guardo
muitas recordações de amores em que ardo,
Quando as cobre da tarde o áureo fulgor do manto ...

Ah! numa tarde assim, eu te abracei, amada!
À hora do ocaso, à hora suave, à hora calada,
Com lenços de saudade alagados de pranto.

Araújo Figueredo
in Poesias

março 14, 2013

RACHEL DE QUEIRÓZ



"Por que os Doutores, tão ricos em remédios para o 
corpo ofendido, não arranjam algum remédio para 
um ferido coração?"

Rachel de Queiróz

NÃO: JÁ NÃO FALO DE TI,JÁ NÃO SEI DE SAUDADES



Não: já não falo de ti, já não sei de saudades.
Feche-se o coração como um livro, cheio de imagens,
de palavras adormecidas, em altas prateleiras,
até que o pó desfaça o pobre desespero sem força,
que um dia, pode ser, pareceu tão terrível.

A aranha dorme em sua teia, lá fora, entre a roseira e o muro.
Resplandecem os azulejos – é tudo quanto posso ver.
O resto é imaginado, e não coincide, e é temerário
cismar. Talvez se as pálpebras pudessem
inventar outros sonhos, não de vida...

Ah! rompem-se na noite ardentes violas,
pelo ar e pelo frio subitamente roçadas.
Por onde pascerão, nestes céus invioláveis,
nossas perguntas com suas crinas de séculos arrastando-se...
Não só de amor a noite transborda mas de terríveis 
crueldades, loucuras, de homicídios mais verdadeiros.

Os homens de sangue estão nas esquinas resfolegando,
e os homens da lei sonolentos movem letras 
sobre imensos papeis que eles mesmos não entendem...
Ah! que rosto amaríamos ver inclinar-se da aérea varanda?
Nem os santos podem mais nada. Talvez os anjos abstratos
da álgebra e da geometria. 

Cecília Meireles
In: Poesia Completa

março 12, 2013

E O AMOR TRANSFORMOU-SE...



E o amor transformou-se noutra coisa com o mesmo nome.
Era disto que falavam as mães quando davam conselhos 
às filhas e diziam: o amor vem depois. 
Era isto o depois. 
Uma ternura simples, quase dolorosa, muitos silêncios,
todas as horas do dia e um poema que se dissolve 
dentro de mim e que, devagar, sem rosto, desaparece.
.
José Luís Peixoto, 
in Gaveta de Papéis








CANÇÃO DA LEMBRANÇA



Oh! a memória visual Daquela ave o incerto voo
Das coisas que nos são queridas, Depois de f´rida numa asa,
Tão levemente coloridas, Que foi sentido só em casa
Tão cheias d’ alma, d’ irreal! Quando a memória o recordou...

No mar, ao longe, reflectidas Aquel’ navio que saía
A luz trémula de frio... A barra, todo iluminado,
O rumoroso, incalmo rio, E agora sendo recordado
Lembrando sempre, ao poeta, a vida... É belo mais do que par’ cia...

Como suaves nos afagam Ternos motivos de saudade
Os olhos quase diluídas... Que outrora fomos em criança,
E nos refrescam os sentidos E tem agora, na lembrança,
E de ternura nos alagam! Como que mais sinceridade...

O campo, à tarde, quando o verde Oh! a memória visual
Em sombra, lento, se dissolve, Das coisas que nos são queridas
Se ao nosso estar lembrando-o volve, Tão brandamente repetidas.
Como se esvai, como se perde! Tão cheias d’ alma, d’ irreal!

Carlos Queiroz

março 10, 2013

PAIXÃO



Podia escrever o teu nome num vidro embaciado ou
segredá-lo a uma borboleta negra.

Podia cortar os pulsos e deixar o sangue correr até que
o mar ficasse vermelho.

Ou beijar-te os pés. Mas esse gesto está reservado
desde o princípio dos séculos e teria o sabor de uma
profanação.

JORGE DE SOUSA BRAGA,
 in O POETA NU 

março 07, 2013

CITAÇÃO



"A Razão e a Paixão são o leme e as velas da alma navegante.
 Sem ambos, ficarias à deriva ou parado no meio do mar. 
Se a Razão governar sozinha, será uma força limitadora.
 E uma Paixão Ignorada é uma chama que arde até sua
 própria destruição."

Khalil Gibran

março 06, 2013

PRESENÇA



É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas, 
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento 
das horas ponha um frêmito em teus cabelos… 

É preciso que a tua ausência trescale 
sutilmente, no ar, a trevo machucado, 
as folhas de alecrim desde há muito guardadas 
não se sabe por quem nalgum móvel antigo… 

Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela 
e respirar-te, azul e luminosa, no ar. 
É preciso a saudade para eu sentir 

como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida… 
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista 
que nunca te pareces com o teu retrato… 
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.


Mario Quintana

ESPERA



Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.


Eugénio de Andrade
De As Mãos e os Frutos

março 01, 2013

AMO-TE MAIS...



Assim...
como são os pássaros
unidos
produzindo orquestração.
Assim
como são as flores:
beijando-se num buquê.
Assim
como são as estrelas,
mirando-se...
em sua constelação

Assim
são as horas e os dias
contigo.
Agasalham-se mais
no calor
da presença
sorrindo ao amor.


Alvina Tzovenos
In Sonhos e Vivências