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fevereiro 27, 2021

OS RIOS

 


OS RIOS

Magoados, ao crepúsculo dormente,
Ora em rebojos galopantes, ora
Em desmaios de pena e de demora,
Rios, chorais amarguradamente,

Desejais regressar... Mas, leito em fora,
Correis... E misturais pela corrente
Um desejo e uma angústia, entre a nascente
De onde vindes, e a foz que vos devora.

Sofreis da pressa, e, a um tempo, da lembrança...
Pois no vosso clamor, que a sombra invade,
No vosso pranto, que no mar se lança,

Rios tristes! agita-se a ansiedade
De todos os que vivem de esperança,
De todos os que morrem de saudade...

Olavo Bilac

SÓ TU




SÓ TU

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram,
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!

Mas tu - que rude contraste! –
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nest'alma, ficaste,
De todas as que eu amei.

Paulo Setúbal

Eis o que eu aprendi



Eis o que eu aprendi
nesses vales
onde se afundam os poentes:
afinal tudo são luzes
e a gente se acende é
nos outros.
A vida é um fogo,
nós somos suas breves
incandescências.

Mia Couto 
em Um rio chamado Tempo, uma casa chamada Terra.

DIA DE CHUVA



 DIA DE CHUVA

Dia de chuva
É para a gente rasgar cartas antigas...
Folhear lentamente um livro de poemas...
Não escrever nenhum...

Mario Quintana,
in Preparativos de viagem

PEQUENO POEMA DE APÓS CHUVA


PEQUENO POEMA DE APÓS CHUVA

Frescor agradecido de capim molhado
Como alguém que chorou
E depois sentiu uma grande, 
uma quase envergonhada alegria
Por ter a vida
continuado...

Mario Quintana
In Baú de Espantos 

MISTÉRIO



MISTÉRIO

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

Florbela Espanca  

A CHUVA CHOVE

 

A CHUVA CHOVE

A chuva chove mansamente ... como um sono
Que tranquilize, pacifique, resserene ...
A chuva chove mansamente ... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine ...
 
E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono ...
Véspera triste como a noite, que envenene
A alma, evocando coisas líricas de outono ...
 
... Num velho paço, muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos ombros da montanha ...
Paço de imensos corredores espectrais,
 
Onde murmurem velhos órgãos árias mortas,
Enquanto o vento, estrepitando pelas portas,
Revira in-fólios, cancioneiros e missais ...
 
 
Cecília Meireles
In Nunca Mais e Poema dos Poemas

CHUVA NA MONTANHA

 
CHUVA NA MONTANHA

Como caíram tantas águas,
nublou-se o horizonte,
nublou-se a floresta,
nublou-se o vale.

E as plantas moveram-se azuis
dentro da onda que as toldava.

Tudo se transformou em cristal fosco:
as jaqueiras cansadas de frutos,
as palmeiras de leque aberto,
e as mangueiras com suas frondes
de arredondadas nuvens negras superpostas.

O arco-íris saltou somo serpente multicor
nessa piscina de desenhos delicados.

Cecília Meireles
in Mar Absoluto

MANHÃ DE CHUVA


 MANHÃ DE CHUVA

As pessoas 
vão caminhando...
Ares tristes...
Rostos
molhados...

O carro passa
e respinga
o pedestre.

O dia 
está sombrio
e sério...
com a solenidade
dos dias
de chuva!


Delores Pires
In A Estrela e a Busca

CHORA EM MEU CORAÇÃO



 CHORA EM MEU CORAÇÃO

Chora em meu coração
Como chove na cidade :
Que lassidão é esta
Que invade meu coração?

Oh doce rumor da chuva
Na terra e nos telhados!
Num coração que se enfada
Oh o canto da chuva!

Chora sem razão
Neste coração exausto.
O quê! nenhuma traição?...
Este luto é sem razão.

E é bem a dor maior
A de não saber porquê
Sem amor e sem rancor
Meu coração tanto dói!


Paul Verlaine
Tradução de Amélia Pais 

CHUVA


CHUVA

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria...

Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando...

Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.

Chove dentro de nós... Chove melancolia...

Ribeiro Couto
São Paulo-1898-1963) 

CHEIRO DE OUTONO

 


CHEIRO DE OUTONO

Mais uma vez é um verão que nos abandona,
agonizando num temporal atrasado:
tranquila a chuva rumoreja, enquanto um cheiro
amargo e tímido vem do bosque molhado.

Na relva pálida a liliácea se retesa
em meio a grande profusão de cogumelos;
tem-se a impressão de que se esconde e se retrai
o nosso vale, ontem ainda imenso e belo.

Retrai-se e cheira a timidez e a amargura
o mundo, com toda a claridade perdida:
prontos, olhamos o temporal atrasado,
pois acabou-se o sonho de verão da vida!

Hermann Hesse
In Andares

VESPERAL


VESPERAL
(Onestaldo de Pennafort)

Dentro do véu da tarde silenciosa,
os jardins adormecem a sonhar...
Choram, sonhando, a sorte de uma rosa
que vai morrer nos braços do luar.

Dentro do véu da a tarde silenciosa,
alguém soluça, erguendo os braços no ar,
uma velha balada dolorosa
de um grande amor que ninguém soube amar...

Pela tristeza de um longínquo olhar,
dentro do véu da tarde silenciosa,
beijo uma sombra que me faz chorar.

Canta um repuxo na hora vaporosa...
Quantas flores ainda vão tombar
dentro do véu da tarde silenciosa...

AMO-TE

 


AMO-TE
(Jenário de Fátima)

Eu te amo, com a força dos temporais,
Com a fúria incontrolável dos vulcões.
Com a energia acumulada nos trovões
Desde longos tempos imemoriais.

Eu te amo, com a leveza dos cristais,
Com a textura das rosas em seus botões
. Com as notas delicadas das canções
Com as cores de mil roupas nos varais.

Eu te amo todas as horas do dia
E este amor ora leveza, ora tormenta,
Este amor que hora é prazer ora agonia

Pra meu barco é a segurança de um cais.
Muito embora ele saiba e se contenta
Que apenas é só mais um!...e nada mais!


SONETO ONÍRICO

 


SONETO ONÍRICO

No rumo do corrupto firmamento
a chuva chove a sua chuva inata
e o cavalo de som de negro vento
verticalmente voa se arrebata.

Entra a palavra azul num pensamento,
e um silêncio de vozes se desata;
crescem mares no tanque do momento,
surge de cada canto um cascata.

Sombras intersexuais desfilam nuas,
carregando verônicas de luas
nas caprichosas mãos de lírios e árias.

Prado viúvos se vestem de namoro
e abrem as flores guarda-chuvas de ouro
sob o sol das piscinas planetárias.

1952

Abgar Renault
In: Obra Poética



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A SOLIDÃO É COMO CHUVA

 

 

A SOLIDÃO É COMO CHUVA

 Sobe do mar nas tardes em declínio; 
das planícies perdidas na saudade
 ela se eleva ao céu, que é seu domínio, 
para cair do céu sobre a cidade. 

 Goteja na hora dúbia, quando os becos
 anseiam longamente pela aurora, 
quando os amantes se abandonam tristes 
com a desilusão que a carne chora; 
quando os homens, seus ódios sufocando, 
num mesmo leito vão deitar-se: 
é quando a solidão com os rios vai passando... 

 Rainer Maria Rilke 
De: o livro das imagens

EMOÇÕES

 EMOÇÕES
(Patrícia Neme)

perdidas nos caminhos do sofrer.
Com elas, meus sonhares e a esperança...
Existo... Vou vivendo, por viver.
O ocaso em mim... Assim foi tua herança:

vida a se consumir, a fenecer.
Só me restou a etérea chuva, mansa...
Que trago em meu olhar, no entardecer.
As emoções são flores amassadas...

São cartas na gaveta, amareladas...
Um beija-flor, roubado em seu voar.
São noites escondidas das estrelas...

Também... Quem me faria, enfim, revê-las?
As emoções? Perdi-as, ao te amar!
As emoções? Guardei-as na lembrança,