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janeiro 09, 2021

DESEJO

(Minha Mãe, Dona Cândida) 
 
DESEJO

 Se Deus me permitisse eu colheria 
 Dos prados e jardins todas as flores;
 E num gesto de amor eu juntaria
 Da vida, a gostosura dos olores. 

 Olhando para o céu atrairia 
 Dos astros e estrelas luz e cores; 
 Da noite enluarada esta magia 
 De brancura sem par feita de amores. 
 
Eu traria pra mim a paz dos campos! 
 A orquestra invulgar dos passarinhos 
E todo o amor de um coração ardente. 

 Dos anjos, a candura e os encantos 
E a ternura cálida dos ninhos.
Pra dar a minha mãe como presente.

 Bernardina Vilar
 In ‘Bom dia, Saudade!’ (1995)

No seu jardim


No seu jardim feito de tinta...
com insólita serenidade
o poeta percorre as áleas da memória
e caminhando por entre signos
contempla a distração nula do tempo
o paradoxo incrível do ser
a ferida íntima da alma


Ana Hatherly

MERGULHO




A chuva é baixa,
diminui o mundo dos homens.
O guarda-chuva toca o teto
do meu quase-amor, e oculta.
Dentro das águas
um peixe idêntico e sem cor vacila
entre a fácil maré e aquela sala
em que pulsa o néon domesticado.

Molhar os pés
enquanto os olhos inflam
e sobem à superfície.


A chuva passa.
Fecho o guarda-chuva atrás da porta.
No céu refeito, a vida continua horizontal.

Alcies Villaça
In: Viagem de Trem



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Destino




Destino
(Alberto Acosta-Pérez)

Absorto en la triunfal desarmonía de este cuerpo
que no tiene otro destino que morir,
y tal vez exhalar una o dos líneas hermosas sobre el papel,
me pregunto si todo estuvo mal,
si no hubo otro camino

No son dulces los antiguos recuerdos
sino espadas que se hincan
y dejan al aire los tendones.
¿Adónde marcha la belleza que se borra?
¿Adónde voy yo mismo?
Solo hay una certidumbre:
no nos veremos más allá,
no nos inclinaremos juntos otra vez sobre la hierba,
nuestros rasgos no se confundirán de nuevo en el espejo.

Como cualquier criatura
nos pudriremos solos al borde del camino,
entre dos pulsaciones,
con un clavo de oro hincado en las espaldas.

Alberto Acosta-Pérez
(La Habana, 1955-2012)


Alberto Acosta-Pérez, nasceu em Havana em 1955. Foi poeta, tradutor e promotor cultural, amplamente homenageado por sua obra com prêmios nacionais e internacionais. Escreveu numerosos livros de poesia, um romance e um volume de traduções de poetas romenos.
Faleceu no dia 1º de janeiro de 2012, em Havana.

Entre seus livros mais importantes está:

Éramos tan puros, 1992
Monedas al aire, Premio Los Pinos Nuevos en 1996;
Música vaga, Premio Nacional de la Crítica 2002;
Fotos de la memoria, Premio Nacional de la Crítica 2009, y
Experiencias de amor correspondido (antología personal), 2011.


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A um Poeta

Quem é esse que, em versos, minh´alma desperta
e que a faz se perder em mil tramas de amor?
Como pode entender a carência encoberta
e meu sonho mais caro em soneto compor?

Quem me vê tão desnuda e nas rimas me oferta
os anseios perdidos nas brumas da dor?
Quem me sabe encontrar de maneira tão certa...
quando eu não mais ousava venturas supor?

Quem me faz suspirar, quem meu peito acelera,
onde está esse alguém, que me exila na espera...
No desejo, saudade... onde achá-lo, afinal?

Ah!, Poeta... Eu quisera de ti ser a musa,
em teus braços viver para sempre reclusa,
embalada ao cantar de gentil madrigal!

- Patrícia Neme -

CHUVA



Do céu cinzento, chega a chuva fina...
Vem mansamente, quase em desalento.
E chove, chove... Nunca que termina...
É chuva d’água... Ou chove sofrimento?

A terra dorme sob a gris neblina,
o tempo para, já não canta o vento...
Nem leve sol, a vida descortina...
É chuva d’água, ou chuva de lamento?

E vão-se o dia, noite, madrugada...
E sempre a chuva, tão desalentada...
Minh’alma indaga às nuvens: até quando?

Até que exista paz, amor, verdade,
e todo humano viva a boa-vontade...
Não vês? Não chove... Deus está chorando!

- Patrícia Neme -

Cheiro de chuva



Cheiro de chuva, o vento canta... O céu se esconde...
Janelas guardam seu sorriso... A rua cala.
Portões fechados, raio irado... E não sei onde,
mansa viola, de saudade, à alma fala.

Ruge o trovão... Quem chamará? Ninguém responde...
Lágrimas, tantas... Na vidraça lá da sala.
Folhas correndo, a brincar de esconde-esconde...
Estranha tarde, que a viola, terna, embala.

Agora há pouco havia sonhos de verão...
Quem transformou-os nessa plúmbea solidão...
Por qual desdita retirou-se o sol de mim?

Ninguém o fez, responde a voz da consciência.
Ele partiu... E não suportas sua ausência...
E de tristeza, vês o mundo escuro, assim!

- Patrícia Neme -

SONHOS


SONHOS

A noite... A lua... Minh’alma está inquieta...
Meu eu, candente, é vida a despertar.
Sufoco a fêmea... Liberto a poeta,
pra versejar o que não sei calar.

Eu quero o abraço que me entranhe em ti,
quero teu corpo a recobrir o meu;
quero o delírio, que jamais senti,
na razão plena do teu apogeu.

Quero teu sol no mar do meu desejo,
qual fora o ocaso, em seu final arquejo...
Fusão suprema de um amor sem fim.

A noite... A lua... Sonhos... Madrugada...
Olho ao redor... E não te encontro... Nada...
Findou o verso que eu teci pra mim.

- Patrícia Neme -