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junho 19, 2015

DESMERECIDA


DESMERECIDA
(Rogério Camargo)

Era uma flor tão simples, coitadinha,
que até nem merecia, lá pensava,
com seus botões, enquanto abotoava
a timidez com que de longe vinha,

nem merecia o olhar de quem notava
presença dela longe da rainha,
da rosa esplendorosa que reinava
feito o jardim nada além dela tinha.

Era uma flor que se acanhava inteira
e se do sol não toda se escondia
era porque morrer não gostaria.

Passei por ela e, não por brincadeira,
sorri-lhe o que melhor sorrir consigo,
que é quando o lá de fora está comigo.

OS CAVALOS DO TEMPO



OS CAVALOS DO TEMPO

Os cavalos do Tempo são de vento.
Têm músculos de vento,
nervos de vento, patas de vento, crinas de vento.

Perenemente em surda galopada,
passam brancos e puros
por estradas de sonho e esquecimento.

Os cavalos do Tempo vão correndo,
vêm correndo de origens insondáveis,
e a um abismo absoluto vão rumando.

Passam puros e brancos, livres, límpidos,
No indescontínuo, imemorial esforço.
Ah! São o eterno atravessando o efêmero:
levam sombras divinas sobre o dorso...

Tasso da Silveira
In: 'Regresso à Origem'

junho 13, 2015

EMBLEMA


EMBLEMA

Tudo me dói – o que passa
Porque não passa; o que fica
Porque não fica. A alegria
Que tenho nisso é dizê-lo.

Ah! como eu sei ficar triste!
Que habilidade em doer-me!
Minha ventura é um domingo
Que gastei a imaginá-lo...

Homero Frei,
In: Lado Alado

Mesmo que o rosto


Mesmo que o rosto
seja outro encanto no teu canto
Mesmo que os pássaros
sejam só aves
cautelosas nesta mão
Mesmo sendo já folha
ou ninho de verão
serei continuamente tua
como tão nenhuma
há-de ser para Ti!…

Ana Maria Domingues,
in Cartas a Romeu

Assim, assim


Assim, assim
(Miriam Portela)

Estou triste.
Uma tristeza
que se evapora
que transpira
mas não chora.
Uma dor miúda
quase inútil.
Parece chuva
que não molha.

Nós


Nós
(Guilherme de Almeida)

Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,

e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
- "Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!"

E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...

E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
hão de falar os teus cabelos brancos.

SONHO ANDARILHO


SONHO ANDARILHO
(Afonso Estebanez)

O sonho é o andarilho da memória
e minha alma é apenas sua estrada
onde o amor recomeça a trajetória
por atalhos de acesso sem entrada.

Nem sempre há personagem numa história.
Nem sempre uma lembrança é relembrada.
Mas quase nunca o pesadelo é uma aurora
para alguns sonhos dissipados na alvorada.

Ai de mim, tua rota de lembrança...
Ai de ti, meu roteiro de esperança
remida pelo olhar dos passarinhos...

Contorno os rios tortos e consulto o mapa
para chegar, inda que morto, àquela etapa
onde morrer seja melhor em teus carinhos...



Agradeço sua visita. 
Volte sempre e comente!

maio 13, 2015

Os rios

Os rios

Magoados, ao crepúsculo dormente,
Ora em rebojos galopantes, ora
Em desmaios de pena e de demora,
Rios, chorais amarguradamente,

Desejais regressar... Mas, leito em fora,
Correis... E misturais pela corrente
Um desejo e uma angústia, entre a nascente
De onde vindes, e a foz que vos devora.

Sofreis da pressa, e, a um tempo, da lembrança...
Pois no vosso clamor, que a sombra invade,
No vosso pranto, que no mar se lança,

Rios tristes! agita-se a ansiedade
De todos os que vivem de esperança,
De todos os que morrem de saudade...

Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)

maio 03, 2015

Estarei contigo


Estarei contigo. Como as pedras estão com os rios, como as árvores estão com as florestas, como os ventos estão com as tempestades, como os instrumentos estão com as músicas estarei contigo. E ainda assim me chamarás.

(Rogério Camargo)

abril 22, 2015

...e ela ainda está lá


...e ela ainda está lá
(Regina Helena)

...e ela ainda está lá, meu pai,
com todo o brilho de antes,
como eu a via, há tanto tempo atrás.

Me fez lembrar meu caderninho,
onde escrevia sonhos e rabiscava ilusões.

E você estava lá, na nossa vida.
Uma presença tão grande,
como  grande hoje é a saudade.

De repente,  olho para o céu,
e vejo aquela estrela brilhante -
aquela mesma -  que me fez sonhar.

... e hoje, meu pai,  acordei de vez:
- ela é a mesma! Sempre esteve ali.

Nós é que mudamos. Você partiu. A ficha caiu.
O tempo está no mesmo lugar e nós...

...passamos por ele, perdendo pelo caminho
o encanto, o brilho e os sonhos.
E encontrando no hoje,  só saudade.

janeiro 14, 2015

XII




Olhar a realidade face a face!
viver! (mas como se a gente sonhasse...)

Onestaldo de Pennafort,
in Arte by Igor Zenin


XI




Ah! velhos livros... Emoções passadas...
Já não nos falam mais como falaram!
Se são as mesmas pálpebras cansadas
e os mesmos olhos, já que não mudaram

as palavras das páginas marcadas,
por que não choram mais onde choraram?
É que as palavras ficam bem guardadas
lá no recanto d’alma em que ficaram.

E quantas almas há num corpo, quantas!
— cismo ao reler um livro, velho amigo
que o tempo amarelou e a que umas plantas

deram um cheiro bom de tempo antigo,
e que eu embora leia tantas vezes,
tantas… quero chorar e não consigo!


Onestaldo d Pennafort,
in Poesia