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novembro 05, 2011

Primavera...




Há uma primavera em cada vida:
é preciso cantá-la assim florida,
pois se Deus nos deu voz, foi para cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada,
que seja a minha noite uma alvorada,
que me saiba perder...para me encontrar....

Florbela Espanca

Bastava-nos amar. E não bastava.




Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.


Joaquim Pessoa
in Português Suave

Vigilância



A estrela que nasceu trouxe um presságio triste:
inclinou-se o meu rosto e chorou minha fronte:
que é dos barcos do meu horizonte?

Se eu dormir, aonde irão esses errantes barcos,
dentro dos quais o destino carrega
almas de angústia demorada e cega?

E como adormecer nesta Ilha em sobressalto,
se o perigo do mar no meu sangue se agita,
e eu sou, por quem navega, a eternamente aflita?

E que deus me dará força tão poderosa
para assim resistir todas a vida desperta
e com os deuses conter a tempestade certa?

A estrela que nasceu tinha tanta beleza
que voluntariamente a elegeu minha sorte.
Mas a beleza é o outro perfil do sofrimento,
e só merece a vida o que é senhor da morte.


Cecília Meireles
in Mar Absoluto