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julho 24, 2009

VAZIO




Todo o mar nos meus olhos, e não basta!
Enche-nos mais uma lágrima furtiva ...
Neste banquete azul, há um só conviva
Farto e feliz.
É o céu, que se debruça sobre as ondas
Sem amargura.
É ele, que não procura
Por detrás da verdade outra verdade.
Serenamente, lá da eternidade,
Bebe e come
A imagem refletida do seu nome.

Miguel Torga
In Antologia Poética

julho 23, 2009

Aparecimento

Aparecimento

Divide-se a noite, para que me apareças
e prolongues tua presença entre sonhos cortados.

Vejo o céu que ao longe caminha.
As montanhas respiram a luz das estrelas,
e, na ausência dos homens,
o caule do tempo sobe com felicidade.

Sobre a noite que resvala,
conservo-te imóvel entre meus olhos e a vida.
Penso todos os pensamentos,
e nenhum me auxilia.
E escuto sem querer as lágrimas
que germinam sozinhas,
e seguem sozinhas um subterrâneo curso.

Ah, meu sorriso morreu por tristezas antigas.
Como te hei de receber em dia tão posterior?

Cecília Meireles
in: Mar absoluto

julho 20, 2009

SAUDADE



SAUDADE

Saudade é uma dor suave e forte!
Cicatriz a sangrar dentro da gente. . .
E a vida em flor com sensação de morte;
Amanhecer com sombras de poente.

Saudade! Insônia de quem não se importe
De sonhar envolvido em sono quente.
Nuvem de sol, calor que desconforte
A alma gelada, tiritante e ardente.

Saudade é a expressão indefinida. . .
Verso incompleto de canção dorida...
Minuto que se fez eternidade!

Recado extraviado no caminho. . .
A paz da ave que perdeu seu ninho...
Melodia de pranto é o que é Saudade.

Bernardina Vilar
In ‘Bom dia Saudade’ (1995)

SAUDADE


SAUDADE

Saudade é aquela estrela cintilante
Que fugiu, se apagou tão de repente
E no percurso de um vagar errante
Fez da nossa alegria, dor latente.

Saudade é a ilusão do eterno instante
Vibrando forte, audaz, dentro da gente,
Sentimento ferino, estonteante,
Em nosso íntimo agindo docemente.

Saudade é um silêncio tenebroso,
Frio, agreste, fatal, misterioso
Que nos fere, maltrata e acalenta.

Saudade é a tristeza de um momento
Rodopiando em nosso pensamento
Tornando nossa vida em morte lenta.

Bernardina Vilar
In ‘Bom dia Saudade’ (1995)

Saudade


SAUDADE

Saudade. Lua cheia se elevando
Pelos azuis dos céus em noite mansa
Prateando os espaços e espalhando
Sobre a terra a luz branca da bonança.

Saudade. Estrada longa procurando
Achar na mata o verde da esperança.
E o seresteiro ao violão cantando
De um mistério insondável, uma lembrança.

Saudade. O grito agudo de um lamento
Que se mistura ao sibilar do vento
E bate em cheio em nosso coração...

... A sublime visão de quem amamos
Que fugindo de nós nunca alcançamos
Mesmo retida na recordação.


Bernardina Vilar

SAUDADE


SAUDADE

Saudade é a oração que nós rezamos
Com os olhos presos na recordação
Avivando as lembranças que guardamos
Bem no escrínio do nosso coração.

Saudade é a melodia que entoamos,
De uma ária, doce emoção
Angústia dolorosa que provamos
Num momento de atroz separação

Saudade é um lenço branco tremulando
Uma palavra – adeus – na despedida,
Uma lágrima a brilhar em nossos olhos.

Saudade é o dia-a-dia transformando
Um sonho acalentado em nossa vida
Num pesadelo feito só de escolhos.

Bernardina Vilar

SAUDADE


SAUDADE

Saudade! Um campo santo palmilhado
De cruzes toscas entre pobres flores...
Um quadro de amarguras retratado
Na tristeza, na dor, nos dissabores.

Saudade! A voz de um sino pendurado
Na torre da igrejinha, em estertores
E um jasmineiro branco, recurvado,
Flores pendentes, emanando olores.

Saudade! Um ser transpondo de mansinho
A vereda silente de um caminho
Que o conduz ao mais árduo desencanto.

E ali tremente em palpitante anseio
Sente pulsar as convulsões do seio
Que o faz rolar um copioso pranto.

Bernardina Vilar

SAUDADE


SAUDADE


Saudade é um sino triste bimbalhando
Na igrejinha branca de uma aldeia;
E um violão sonoro dedilhando
De uma noite, ao clarão da lua cheia.

Saudade é um rio cheio transbordando
Lançando ao longe turbilhões de areia;
É a cachoeira se precipitando
Jogando as águas no furor que ateia.

Saudade é uma manhã de sol nascente
Com gotinhas de orvalho ornamentando
As flores de um jardim, desabrochadas...

E a gente a contemplá-las docemente
Percebendo que em nós estão faltando
Todas as alegrias desejadas.

Bernardina Vilar

Saudade


SAUDADE

Saudade é o longo espaço do momento
Em que murcharam nossas esperanças
É o sonho que restou no pensamento
Como uma apoteose de nuanças.

Saudade é conservar bem vivo, atento
O amor passado, cálida lembrança!
É contemplar sozinho ao desalento
A extrema solidão que em nós descansa.

Saudade é um coração pulsante forte,
Palpitante, ansioso, inconsolável
Por ver o aproximar de uma partida.

E ser logo atingido pela morte
De seu amor tão grande, inigualável,
Consumindo num adeus de despedida.

Bernardina Vilar

A VOZ DA SAUDADE


A VOZ DA SAUDADE

Se cai a noite plácida, serena,
Tão branca de luar — doce magia...
A carícia da brisa torna a cena,
Num requinte envolvente de poesia.

O azul do céu de uma beleza extrema
Povoado de estrelas irradia,
E qual o encantamento de um poema
Faz palpitar sutil melancolia.

No Coração da mata um mocho pia
Rompendo a solidão num tom dolente,
Como um canto de amarga soledade.

E o coração da gente silencia
Porque mais alto que sua voz ardente
Fala a voz merencória da saudade.

Bernardina Vilar

julho 19, 2009

INQUIETUDE


INQUIETUDE

Tarde cálida e mórbida... Angustiante...
Um silêncio mortal. Nem uma voz
Levanta-se no vácuo. Torturante
O ar pesado paira sobre nos.

O calor abrasado, sufocante
Já me importuna de maneira atroz
E nesta alegoria delirante
Triste lembrança se me faz algoz.

Dentro em meu peito, o coração soluça!
E genuflexo triste se debruça
Sobre um passado que já vai distante.

Chora contrito uma recordação,
Revive um sonho que perdido em vão
Pra mim tornou-se um padecer constante.

Bernardina Vilar
In ‘Bom dia, Saudade!’ (1995)

OUSADIA


Tela: John Atkinson

OUSADIA

Na ânsia de atingir o ignorado
Vai-se o tempo voraz, audacioso
Nas brumas de um enigma mergulhado
Não para de correr, misterioso.

Qual rio a transbordar agigantado
Investe sem cessar, tempestuoso,
Contra tudo que atira no passado
No mais terrível gesto, corajoso.

Com ele tudo passa: a dor, a vida
A alegria, o amor, as esperanças
No arrojo invulgar desta corrida.

Não olha para trás nem retrocede...
E vai deixando apenas as lembranças...
. . . Como quem parte que não se despede!

Bernardina Vilar
In ‘Bom dia, Saudade!’ (1995)

DERRADEIRA SAUDADE


Tela do Pino

DERRADEIRA SAUDADE

PAIXÃO fugaz... Ventura passageira...
Rosa que não colhemos da roseira,
Mas que esteve, no galho, ao nosso alcance.
Ah! Quanta vez, num desespero mudo,
Eu quedo-me a cismar naquilo tudo,
Que encheu de sol nosso cruel romance!

Bendigo ainda os beijos que maldizes,
Que abriram na minh’alma cicatrizes,
Que encheram de ambrosias nossa boca;
Só me consola, nesta dor pungente,
Lembrar que te adorei perdidamente,
Lembrar que me adoraste como louca!

Mudaste muito, eu sei... Mas, com certeza,
Nas horas de saudade e de tristeza,
Em que a alma chora e o coração nos trai,
Hás de pensar em mim de quando em quando,
Com lágrimas nos olhos relembrando
- Toda essa história que tão longe vai!

Paulo Setúbal

Só tu


Tela do Pino

Só tu

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram,
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!

Mas tu - que rude contraste! –
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nest'alma, ficaste,
De todas as que eu amei.

Paulo Setúbal


INQUIETUDE


Tela: John Atkinson

INQUIETUDE

Tarde cálida e mórbida... Angustiante...
Um silêncio mortal. Nem uma voz
Levanta-se no vácuo. Torturante
O ar pesado paira sobre nos.

O calor abrasado, sufocante
Já me importuna de maneira atroz
E nesta alegoria delirante
Triste lembrança se me faz algoz.

Dentro em meu peito, o coração soluça!
E genuflexo triste se debruça
Sobre um passado que já vai distante.

Chora contrito uma recordação,
Revive um sonho que perdido em vão
Pra mim tornou-se um padecer constante.

Bernardina Vilar
In ‘Bom dia, Saudade!’ (1995)

ANALOGIA


Tela: John Atkinson

ANALOGIA

Aos albores bucólicos da aurora
De púrpura é matizado o azul do espaço
E o arrebol tão rápido descora
O infinito, abrangendo em leve embaço.

Vem a neblina. A natureza chora
Um pranto como orvalho tênue, baço,
Mas um rasgão de luz se rompe agora
A terra acobertando num abraço.

Surge o sol, chega o dia e vai passando
Entre pouca alegria e muitas dores,
Sem uma trégua, o incansável tempo.

Nas brumas do passado assim jogando
As nossas ilusões em estertores
Da saudade em passivo desalento.

Bernardina Vilar
In ‘Bom dia, Saudade!’ (1995)


Agradeço sua visita. 
Volte sempre e comente!

O ÚLTIMO VERSO


Tela: Ernesto Condeixa

O ÚLTIMO VERSO

E quanto pode a ingênua brejeirice
Dum coração de moça, encantador:
- A um gesto teu, sem que eu o pressentisse,
Nasceu-me esta canção de sonhador,
Como um botão que por acaso abrisse
Numa roseira que não dá mais flor...

Paulo Setúbal

julho 18, 2009

LEMBRANÇAS DO LUGAR


Imagem: Alexis de Leeuw


LEMBRANÇAS DO LUGAR

Querida, vê no pranto que extravasa
o coração quando a lembrança aflora...
Os gerânios... As rosas... Como atrasa
o tempo entre o crepúsculo e a aurora!

Há sonhos que ainda vagam pela casa
em meu rústico albergue da memória...
E ainda um lírio que a min’alma vaza
de saudade do amor que ainda chora...

Nos beirais da varanda as andorinhas
bailam, querida, e as ninfas seminuas
das ribeiras em flor bailam sozinhas...

Beirando a vida nos beirais das ruas,
tu vives de sentir saudades minhas
e eu morro de sentir saudades tuas...

A. Estebanez



Agradeço sua visita. 
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julho 10, 2009

Epigrama Número 2


Tela de pissaro

Epigrama Número 2

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.

Cecília de Meireles
Viagem, 1938

Valsa


Tela de Pissaro

Valsa

Fez tanto luar que eu pensei nos teus olhos antigos
e nas tuas antigas palavras.
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos,
que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.

Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto
e modelou tua voz entre as algas.
Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
e estudo apenas o ar e as águas.

Coitado de quem pôs sua esperança
nas praias fora do mundo...
- Os ares fogem, viram-se as águas,
mesmo as pedras, com o tempo, mudam.


Cecília Meireles
In:"Viagem", 1939.

Embalo


Imagem: Washington Maguetas

Embalo

Adormeço em ti minha vida,
- flor de sombra e de solidão -
da terra aos céus oferecida
para alguma constelação.

Não pergunto mais o motivo,
não pergunto mais a razão
de viver no mundo em que vivo,
pelas coisas que morrerão.

Adormeço em ti minha vida,
imóvel, na noite, e sem voz.
A lua, em meu peito perdida,
vê que tudo em mim somos nós.

Nós! - E no entanto eu sei que estão
brotando pela noite lisa
as lágrimas de uma canção
pelo que não se realiza...

Cecília Meireles
In Vaga Música, 1942

RETRATO ANTIGO


Foto: minha aos 22 anos.

‘RETRATO ANTIGO’

Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?

Helena Kolody

MARÇO


Imagem: John Atkinson

MARÇO

Que etéreo veneno entorpecente
De sonhos infinitos e tranqüilos
Trazes contigo, límpido março azul
Das transparentes distâncias!

Helena Kolody
In ‘Infinita Luz’

LONGE


Imagem: John Atkinson

LONGE

Às vezes,
Tudo é tão longe de mim...
Meu viver parece uma história
Que alguém sonhou
Há muito tempo,
Num país distante.

Helena Kolody

RESSONÂNCIA


Imagem: John Atkinson

RESSONÂNCIA

Bate breve o gongo.
Na amplidão do templo ecoa
o som lento e longo.

Helena Kolody

Vem...


Imagem: John Atkinson

Vem...

vem, me dá tua mão
me aperta junto a ti
esquece por um tempinho só
o impossível...
deixa de olhar pra mim
como se eu pudesse ser o teu passado
para que eu deixe de te olhar
como se pudesses ser o meu futuro...

vem, me toca ao menos uma vez
fecha os teus olhos e me abraça
para que eu possa esquecer
que és tão visivel quanto inatingivel,
embora ocupemos o mesmo espaço...

vem, fica junto a mim,
que importa o tempo?
sendo bom, parecerá sem fim
e será suficiente para que
as nossas almas fiquem marcadas
pelo nosso amor e, silenciosamente,
sussurremos uma prece...

para que então, em outra eternidade,
embora além, bem além,
nos reconheçamos
e vivamos esse amor
no mesmo tempo e no mesmo espaço.

Regina Helena

julho 08, 2009

Um canto de solidão


Um canto de solidão

Dentro de mim há um canto de saudade
que teima em invadir meu coração.
Ainda que o mundo inteiro
esteja ao meu redor, ele está comigo.
Tento fingir que não o ouço
e o calar me assusta,
pois o que me sustentará se a saudade se for?
Insensato coração
que aceita a loucura dessa dor.
Sinto um grito que não ouço
quando meu corpo me pede paz
e ouço o canto do silêncio
que fala mais alto e teima em estar comigo
em forma de saudade.
Noites insones, medo, lembranças...
Essa é a angústia desesperada do meu ser:
- O abandono dos que se perdem
para nunca mais se encontrar.

Regina Helena