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março 09, 2021

O FASCÍNIO DA LUA



Mais perto da infância, anda no ar
uma nova relação com a felicidade.
Cada manhã evoca o cantochão
inaugural da vida
e, nem as pequenas perturbações,
toldam o fascínio da lua nos meus olhos
consumidos de procurar a luz.

Graça Pires



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UM LUGAR DE SOBREVIVÊNCIA




Apesar de tudo, a noite
continua a ser um lugar de sobrevivência,
a contraluz sensual de todas as rotinas,
um barco acostado ao largo dos astros.
Há prosas de fascínio a assinalar improvisos
nas pálpebras da manhã
quando, à mercê do acaso,
um abraço é o secreto anúncio de uma festa.

Graça Pires,
in Conjugar Afectos


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A SERENATA




É a noite lenta,
sonolenta
a grande noite tropical...
O amor põe brotos,
como o lotus,
à flor do lago espiritual.

É a noite clara
feita para
O Bem-Amado e para mim:
A noite é um leito
todo feito
de linhos alvos e marfim...

Branco e tristonho,
no meu sonho,
ó Todo-Amado, és meu luar:
o luar de neve,
suave e leve,
da lua que há no meu olhar...

Entre os teus dedos
há segredos...
E as minhas mãos fanadas são
aves noturnas,
taciturnas,
fazendo ninho em tua mão

Os meus sentidos,
distendidos
ao teu contacto encantador,
são cinco cordas
com que acordas
no bojo da alma a voz do amor...

É a noite lenta,
sonolenta
a grande noite tropical...
O amor põe brotos,
como o lotus,
à flor do lago espiritual.


Guilherme de Almeida 


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CHUVA DE CINZAS



Chuva de cinzas...Cai a tarde lá por fora
na estática mudez da Terra triste e viúva;
e, da tarde ao cair, sinto, minha alma, agora,
embuça-se na cisma e no torpor se enluva.

Hora crepuscular, hora de névoas, hora
em que de bem ignoto o humano ser enviúva;
e, enquanto em cinza todo o espaço se colora,
o tédio, em nós, é como uma cinérea chuva.

Hora crepuscular - concepção e agonia,
hora em que tudo sente uma incerteza imensa,
sem saber se desponta ou se fenece o dia;

hora em que a alma, a pensar na inconstância da sorte,
fica dentro de nós oscilando, suspensa
entre o ser e o não ser, entre a existência e a morte.
 
Gilka Machado
De "Velha Poesia"



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NOITE SELVAGEM




Entro na selva. A noite é espessa. De centenas
de pirilampos toda a mata se ilumina;
astros movem no espaço as rútilas antenas,
como insetos de luz, numa etérea campina.

Ergo ao céu, desço à terra a assombrada retina,
e ante as luzes astrais e ante as luzes terrenas,
a terra e o céu, o céu e a terra, julgo, apenas,
um céu que se distende, alonga e indetermina.

Em cima há tanta luz que o olhar erguido pasma!
Cada estrela parece um luminoso miasma
a medrar, a fulgir da treva na espessura.

e a noite tão negra e tão ampla, e tão densa,
é um pântano infinito, uma lagoa imensa,
a decompor-se em luz, a efervescer na altura.


Gilka Machado


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CAMINHOS




Se caminhamos juntos,
se juntos dividimos,
quem sabe da renúncia
que nos vai conduzindo?

Quem sabe dos intentos
tão distantes, tão próximos,
que amamos em silêncio
como um segredo nosso?

Quem sabe do caminho,
se tudo é tão noturno
e o sonho é como um sino
além, além do mundo?

– Gilberto Mendonça Teles, 
no livro “Hora aberta – Poemas reunidos"


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HINO À NOITE



Ó noite, eu te desejo, e anseio o teu abraço
macio como o luar, quieto como o jazigo.
A fadiga me esvai, domina-me o cansaço,
como um boêmio feliz eu vim dormir contigo.

De sonho em sonho andei. Fui poeta, fui mendigo.
Corri atrás do tempo e me perdi no espaço
e vi se desfazer meu pensamento antigo
e em sangue transformar-se a sombra do meu passo.

Um dia, a procurar-te, olhei para o poente:
na estrada solidão da tarde, impertinente,
um pássaro de sol crepusculava a esmo.

Então eu te encontrei e, em meu triste abandono,
meus olhos disfarcei na volúpia do sono
e caminhei contigo em busca de mim mesmo.

Gilberto Mendonça Teles
In Poemas Reunidos


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PRANTO DE LUAR




No longo espasmo do silêncio, alegre e franca,
A alma dos ventos, ao luar, murmura e fala:
A sombra corre, e tu, lua formosa e branca,
Derramas pelo chão claras manchas de opala.

Eras mortas de amor! Ah! quem te dera tê-las!
Cessaria, de novo, o teu soluço aflito!
Eras em que, sonhando, a sós, sob as estrelas,
Tu passavas com ele através do infinito...

Mas, uma noite, o espaço todo ornado em festa,
Teu esposo partiu, enfim... (Quanto desgosto!)
E dessa desventura extreme ainda te resta
A grande palidez que te ilumina o rosto.

Partiu... Talvez que volte aos lares... Mas enquanto
Ele não volta, em vão o esperas nessa trilha;
Ficas pálida e triste, e choras; o teu pranto
Desce à terra e, ao descer, torna-se luz e brilha.

Chora, infeliz. O pranto as mágoas atenua.
Nunca te canses, dentre as nuvens, de chorar.
Se não chorasses, não teríamos, ó lua,
A poesia sem fim das noites de luar.

Francisca Júlia
 In "Esfinges"



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NOITE DE SAUDADE



A noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu ouço a noite a soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!

Por que é assim tão ´scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!


Florbela Espanca
in ‘Mensageira das Violetas’


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ANOITECER



A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente...
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora,
Tenho bênçãos de amor pra toda a gente!
E a minha alma, sombria e penitente
Soluça no infinito desta hora!

Horas tristes que vão ao meu rosário...
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Ó meu áspero e intérmino Calvário!

E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho...
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...


Florbela Espanca
‘A Mensageira das Violetas’

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CREPÚSCULO




Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes
Borboletas de sol, de asas magoadas,
Pousam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes...

E os lírios fecham... Meu amor não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E a minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes...

O silêncio abre as mãos... entorna rosas...
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando...

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha.
Um coração ardente palpitando...


Florbela Espanca
in ‘A Mensageira das Violetas’


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ALVORECER




A noite empalidece. Alvorecer...
Ouve-se mais o gargalhar da fonte...
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

Há andorinhas prontas a dizer
A missa d´alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe...um vulto que se esvai...
Em cada sombra Colombina trai...
Anda o silêncio em volta a q´rer falar...

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pálido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar...


Florbela Espanca
‘A Mensageira das Violetas’


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NOITE DE SAUDADE



A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!


Florbela Espanca



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AS MULHERES SÃO MAIS FORTES




Para começar, gosto das mulheres.
Acho que elas são mais fortes,
mais sensíveis e que têm mais 
bom senso que os homens.
Nem todas as mulheres do mundo 
são assim, mas digamos que é mais
fácil encontrar qualidades
humanas nelas do que no género
masculino. 
Todos os poderes
políticos,
económicos,
militares
são assunto de homens.
Durante séculos, a mulher teve
de pedir  autorização ao seu
marido ou ao seu pai para fazer
fosse o que  fosse. 
como é que pudemos viver assim 
tanto tempo condenando 
metade da humanidade à 
subordinação e à humilhação?

José Saramago,
 in 'L'Orient le Jour (2007)'


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