Seja bem-vindo. Hoje é

junho 28, 2012

NUNO JÚDICE



“Nem os dias longos me separam da tua imagem.
Abro-a no espelho de um céu monótono, ou
deixo que a tarde a prolongue no tédio dos
horizontes. O perfil cinzento da montanha,
para norte, e a linha azul do mar, a sul,
dão-lhe a moldura cujo centro se esvazia
quando, ao dizer o teu nome, a realidade do
som apaga a ilusão de um rosto. Então, desejo
o silêncio para que dele possas renascer,
sombra, e dessa presença possa abstrair a
tua memória.“

Nuno Júdice

ROTAÇÃO



É nos teus olhos que o mundo inteiro cabe,
mesmo quando as suas voltas me levam para longe de ti;
e se outras voltas me fazem ver nos teus
os meus olhos, não é porque o mundo parou, mas
porque esse breve olhar nos fez imaginar que
só nós é que o fazemos andar.

Nuno Júdice

Glória Dantas


junho 27, 2012

B Á L S A M O



Seja abençoado o coração formoso
que, evocando perdido paraíso,
a súbita expansão de alheio gôzo,
a própria dor disfarça num sorriso.

José Lannes
In: Candeia

junho 26, 2012

FUGA




As andorinhas emigram.
No amplo céu recortam
Silhuetas palpitantes.

As andorinhas emigram.
Submerge no claro dia
A música imperceptível
De seu trissar.

Senhor! As andorinhas emigram...
Fazei-as voltar!

Helena Kolody

ABANDONO



Depois que partiste,
em meu jardim, só florescem
goivos e saudades.


Leonardo Henke
In: Pedras do Meu Garimpo

CANÇÃO



Toda flor tem seu perfume,
toda estrela seu fulgor;
não existe amor sem ciume,
nem há ciume sem amor.


Leonardo Henke
In: Pedras do Meu Garimpo

DESENCANTO





Muitas vezes cantei nos tempos idos
Acalentando sonhos de ventura:
Então da lira a voz suave e pura
Era-me um gozo d’alma e dos sentidos.

Hoje vejo esses sonhos convertidos
Num acervo de penas e amargura,
E percorro da vida a estrada escura
Recalcando no peito os meus gemidos.

E se tento cantar como remédio
Às minhas mágoas, ao sombrio tédio
Que lentamente as forças me quebranta,

Os sons que arranco à pobre lira agora
Mais parecem soluços de quem chora
Do que a doce toada de quem canta.


Pe. Antônio Tomaz

EMBLEMA



A fogo imprimiste, Senhor,
Na carne de meu coração
A tua insígnia de dor.

Helena Kolody,
in Viagem no Espelho

junho 25, 2012

A MORTE DE JESUS



Da Cruz pendente expira, e, sem demora,
De susto e horror desmaia o sol na altura,
Cobre-se o céu de um manto de negrura,
E o mundo inteiro treme e se apavora.

Trajando luto, a natureza chora,
Fende-se a terra, estala a rocha dura,
E, abandonando a paz da sepultura,
Vagueiam mortos pelo campo afora...

Além ronca o trovão sinistramente...
Fuzila o raio e, em doida tempestade,
Brame e se agita o velho mar gemente.

Tinhas, decerto, ó Cristo, a divindade,
Pois na morte de um Deus, de um Deus somente,
Pode haver tanta pompa e majestade!


Pe. Antônio Tomaz

VESPERTINO


VESPERTINO
(Pe. Antônio Tomaz)

Sobre as veigas e campos perfumados
Se estende um véu de sombras e palores;
Cingem, no entanto, vívidos fulgores
Os denegridos cerros escalvados.

Enxada ao ombro em cismas mergulhados
Voltam do campo os rudes lavradores;
Soam no ar bucólicos rumores;
Doces mugidos, cantos magoados.

Ao longe o sino em doloroso acento
Geme uma prece; a juriti suspira,
De quando em vez, um brado de lamento.

E na floresta – gigantesca lira –
Vai tristes nênias entoando o vento
Ao rei da luz que no poente expira.

A MORTE DAS ROSAS



Nos canteiros orlados de verdura,
De mil gotas de orvalho umedecidas,
Cheias de viço e de perfume ungidas,
Desabrocham as rosas à ventura.

Mas a vida das rosas pouco dura,
E as míseras em breve, enlanguescidas,
A fronte curvam, nos hastis pendidas,
Sob os raios do sol que além fulgura.

E vão largando as pétalas mimosas
Ao sopro mau dos vendavais infestos,
E os despojos finais das tristes rosas

De cor vermelha, pelo chão tombados,
Fazem lembrar sanguinolentos restos
De pobres corações despedaçados.


Pe. Antônio Tomaz

junho 22, 2012

ROSA...ESPINHO




Pago a impaciência
desta paixão ansiosa
por te querer
em meu caminho...

Quis colher a rosa:
- feriu-me o espinho...


J.G. de Araujo Jorge
in Espera

junho 21, 2012

DOR



A mão se fecha
você se crispa
em dor.

Você se crispa
a dor se abre
em flor:

e você não sabe
na terceira pessoa do singular
porque realmente sofrer
essa dor plural.


Álvaro Pacheco
In "Seleção de Poemas”

DANÇARINA ESPANHOLA




Como um fósforo a arder antes que cresça
a flama, distendendo em raios brancos
suas línguas de luz, assim começa
e se alastra ao redor, ágil e ardente,
a dança em arco aos trêmulos arrancos.

E logo ela é só flama, inteiramente.

Com um olhar põe fogo nos cabelos
e com a arte sutil dos tornozelos
incendeia também os seus vestidos
de onde, serpentes doidas, a rompê-los,
saltam os braços nus com estalidos.

Então, como se fosse um feixe aceso,
colhe o fogo num gesto de desprezo,
atira-o bruscamente no tablado
e o contempla. Ei-lo ao rés do chão, irado,
a sustentar ainda a chama viva.
Mas ela, do alto, num leve sorriso
de saudação, erguendo a fronte altiva,
pisa-o com seu pequeno pé preciso.

Rainer Maria Rilke 

junho 20, 2012

REMORSO



Ás vezes uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores, sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! Com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto que desperdicei na juventude;
Choro neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude. 

Olavo Bilac

FLORBELA ESPANCA



"...Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade... "

Florbela Espanca 

junho 18, 2012

SAUDADE




A saudade é uma andorinha,
mas uma andorinha estranha:
quando, num peito se aninha,
as outras não acompanha…

Saudade – coisa que a gente
não explica nem traduz;
faz do passado, presente,
e traz sombras, sendo luz…

Saudade – febre que a gente
sem querer, pode apanhar,
nunca mata de repente,
vai matando, devagar…

Saudade – a princípio é pena
que nos deixa uma partida;
depois é dor que condena
a morrer dentro da vida…

se é triste sentir saudade,
muita saudade de alguém,
maior infelicidade
é não tê-la de ninguém.


Yde Schloenbach Blumenschein 

MAIS UM DIA PERDIDO



Há dias e que tudo é sem remédio,
em que tudo começa e acaba torto.
Uma folha caiu:
era um pásaro morto.

Neblina. Fim de tarde. Fim de Outono.
Nada nos fala, nos atrai, nos chama.
Choveu, parou a chuva,
ficou, porém, a lama.

Um banco no jardim. Árvores nuas,
um cisne velho, um tanque, água limosa,
nem a relva ficou,
quanto mais uma rosa.

Há barcos, há gaivotas sobre o rio,
e nas ruas há gente, há muitas casas.
Mais um dia perdido:
arrancaram-lhe as asas."


Fernanda de Castro
In Urgente» 

CREPUSCULAR



Crepúsculo da tarde, esta agonia
de cores meigas e de luz magoada
não a compreende a mente rude e fria,
onde a ilusão e a dor não têm pousada.

Mas à alma sonhadora e amargurada
bem familiar é a tua nostalgia:
- Efêmera saudade eternizada
na velhice infantil de cada dia ...

Cada dia a morrer eternamente,
é como o sol que agora já não arde
esta minha alegria descontente.

Ante o cair da noite muda e calma,
é como tu, crepúsculo da tarde,
sempre triste gêmeo de minha alma ...

José Lannes
in Candeia

junho 17, 2012

RETALHOS


RETALHOS
(Jenario de Fátima)

Que nosso amor seja algo assim bem leve.
Como é bem leve o riso da criança,
Que em correria se arremessa e lança
Sobre a campina feita em branca neve.

E se este amor tiver a vida breve.
Que sua brevidade seja mansa,
Tal qual a pluma que no ar balança,
Deixando encanto na rota que escreve.

Porem se um dia deste amor partires,
Entenderas que olhares deslumbrados
Só brilham enquanto dura o arco-íris.

Mas no entanto não seguiras sozinha,
Hás de lembrar que em meio a teus guardados,
Haverá sempre alguma coisa minha.

junho 16, 2012

PAULO LEMINSKI



uma carta uma brasa através
por dentro do texto
nuvem cheia da minha chuva
cruza o deserto por mim
a montanha caminha
o mar entre os dois
uma sílaba um soluço
um sim um não um ai
sinais dizendo nós
quando não estamos mais


Paulo leminski
in Caprichos & Relaxos

PARADA CARDÍACA



Esta minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure
vem de dentro

Vem da zona escura
donde vem o que sinto
sinto muito
sentir é muito lento

Paulo Leminski 

O ATRASO PONTUAL



Ontens e hojes, amores e ódio,
adianta consultar o relógio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser no tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bençãos e desgraças
vêm sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre o tempo e o espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que eu faço?

Paulo Leminski,
 in Distraídos Venceremos

junho 14, 2012

AMIGA QUERIDA



Por onde andamos
nós que raramente nos falamos?
Engolidos pela pressa
ou pela saga do compromisso?
O'Deus que maratona é essa?

Deixo um recado de saudade
para você pensar.
Por mais que a vida corra e o mundo agite,
por favor, acredite:
o nosso coração não muda de lugar.

O tempo e a distância
costumam nos arrastar.
É como se folhas de outono
se separassem pelo sopro de algum vento.
Mas nosso coração não muda de lugar.

Conservo a mão estendida,
o peito aberto,
o ombro compreensivo,
o pensamento alerta.
A qualquer hora você pode me chamar.
O meu carinho permanece vivo.
É que o nosso coração não muda de lugar. 


Flora Figueiredo  

MURALHAS




Sem consideração, sem piedade, sem pudor,
grandes e altas muralhas em torno de mim construíram.

E agora estou aqui e me desespero.
Outra coisa não penso: este destino devora meu espírito;

porque muitas coisas lá fora eu tinha que fazer.
Ah! quando construíram as muralhas, como não dei atenção?

Entretanto, jamais ouvi batidas ou rumores de pedreiros.
Imperceptivelmente, encerraram-me fora do mundo.

Constantinos Kaváfis ,
 in Poemas 

junho 10, 2012

NÓS




Afinal o que eu sinto
é o sofrimento atroz
de muito tarde descobrir que nunca
falaremos em nós...

Eu, serei eu; - tu, serás tu,
e eternamente assim
nem nunca me terás como queres que eu seja
nem serás como eu quero que sejas pra mim...
Muito tarde... muito tarde...
-depois que assim te quero, e preciso de ti
como os pulmões de ar
ou os olhos de luz,
é que vou descobrir que se ficarmos juntos,
eu poderei te odiar, tu poderás me odiar!
- Quem diria afinal, ao que o amor se reduz?!

Estraguei tua vida e desgraçaste a minha
e fomos acordar, os dois, tarde demais...
Agora, eu sigo só,
tu, seguirás sozinha,
eu, fugindo, - covarde!...
a este amor que me espinha!
tu, querendo, - medrosa!...
inutilmente a paz!

E o que é estranho afinal, é que nós nos amamos,
e sentimos no entanto que nos separamos,
cada um com a sua sombra dolorosa a sós...
-conformados, na dor cruel nos convencemos.
de que nunca na vida, eu e tu... seremos     nós


J.G.de Araujo Jorge
in "Eterno Motivo"

SAUDAÇÃO DA SAUDADE



Minha saudade
saúda tua ida
mesmo sabendo
que uma vida
só é possível
noutra vida

Aqui, no reino
do escuro
e do silêncio
minha saudade
absurda e muda
procura às cegas
te trazer à luz

Ali, onde
nem mesmo você
sabe mais
talvez, enfim
nos espere
o esquecimento

Aí, ainda assim
minha saudade
te saúda
e se despede
de mim

Alice Ruiz


SE



Se,
na vastidão dos teus sonhos,
couber um pouquinho de mim,
nossos sonhos serão realidade,
enfim!

Luiz Carlos de Oliveira

junho 08, 2012

SONETO DA SAUDADE


O céu desperta triste, em tom cinzento,
qual lhe fora penoso um novo dia;
aos poucos, verte, em gotas, seu lamento...
Um pranto ensimesmado, de agonia.

Um rouco trovejar, pesado, lento,
parece suplicar por alforria,
num rogo já exangue, sem alento...
A chuva... O cinza... A dor... A nostalgia...

O céu despertou triste... O céu sou eu,
perdida num sonhar que feneceu,
sou prisioneira à espera de mercê.

Sonhando conquistar a liberdade
desta prisão, que existe na saudade...
Saudade, tanta, tanta... De você!

Patrícia Neme

SAUDADE




Saudade! A alma curou-se da ferida:
Mas quantas cicatrizes na lembrança!
Passa no ar uma queixa dolorida
E há um véu por tudo quanto a vista alcança.

Horas de sombras: o cortejo avança ...
Saudade! Filigrana entretecida
Com fios de ouro e prata, que a esperança
Deixa por todos os sarçais da vida.

Longe, no campanário abandonado,
O sino dobra, lúgubre. Uma prece
Sobe do coração para o passado.

A tarde morre, misteriosa e calma.
Vão-se as últimas asas. Anoitece.
O sino cala-se. Anoitece a alma ...


Heitor Lima
in Primeiros Poemas

SAUDADE



Saudade!

Dize-me: Quem és?

Tu apareces sempre
Quando alguém se separa,
Deixando um rastro qualquer...

Presente estás
Quando o amor se parte,
Partindo também
Os elos de uma corrente,
Corrente que devia ser permanente...

Saudade!
És um termo
Como outro qualquer,
Mas és também
Uma personagem da vida,
Que se coloca entre dois seres...

Mas, saudade.
Torno a perguntar-te:
Finalmente,
Quem és?!


Olympiades G. Corrêa,
in Neblina do Tempo 

junho 06, 2012

AS VIDAS QUE EU SONHEI



Fico soturno a olhar para o mar
e a pensar num rei a traduzir Shakespeare
numa varanda embriagada pelo azul.
Deixei de ter tempo para espiritualidades,
para o engodo das tremendas interrogações,
para a altivez das perguntas sem resposta.
Fiquei temporariamente domesticado
para uma outra escrita, por um discurso
que não consente divagação ou fuga.
Normalizei-me, e contudo gosto de ver
a mão hesitante e trémula
à beira da consumação do poema
quando a maré assalta a muralha e traz,
misturados com a espuma,
os destroços das vidas que eu sonhei,
das vidas que, se calhar, eu já vivi.


José Jorge Letria

QUEM DO AMOR SE APARTA





Quem do amor se aparta não tardará
a saborear o fruto inclemente da amargura.
Medirá as rugas e os passos
na solidão dos quartos e dos livros,
guardará as folhas das árvores
que crescem nas fábulas e nos sonhos.
Provará um gosto acre, um delírio vagaroso,
um desejo aflitivo de escapar
ao cativeiro da sombra em que se move.
Experimentará a secura da carne,
a magreza do corpo sobre as dunas,
a ansiedade tremenda de estar fora de si
onde quer que esteja, para onde quer que fuja.
A loucura, dirá, cinge com seus dedos
a garganta ferida pelo álcool.
Descerá ao inferno da noite minguada
pela avareza da luz sobre as veredas.

Quem do amor se aparta há-de perder-se
em todos os sentidos menos naquele
em que a campânula dos ventos se enche
com o eco do nome amado, impronunciável.

José Jorge Letria
In Percurso do Tempo 

junho 05, 2012

FUI SABENDO DE MIM



Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia


Mia Couto  

SILÊNCIO



Cala. Qualquer que seja esse tormento
que te lacera o coração transido,
guarda-o dentro de ti, sem um gemido,
sem um gemido, sem um só lamento!

Por mais que doa e sangre o ferimento,
não mostres a ninguém, compadecido,
a tua dor, o teu amor traído:
não prostituas o teu sofrimento!

Pranto ou Palavra - em nada disso cabe
todo o amargor de um coração enfermo
profundamente vilipendiado.

Nada é tão nobre como ver quem sabe,
trancado dentro de uma dor sem termo,
mágoas terríveis suportar calado!

Medeiros e Albuquerque 



Agradeço sua visita. 
Volte sempre e comente!

junho 04, 2012

NUNCA MAIS...




Passa um dia,
e outro a correr atrás dele
e outro e outro...
O tempo a todos impele,
tal o vento
levando, em doida correria,
revoadas de folhas outonais,
folhas de calendários sempre iguais,
uma a uma arrancadas,
perdidas nas estradas...


Nunca mais... Nunca mais...


Saúl Dias
In Essência

SONHO



Sonhei esta existência de venturas,
Sonhei que o mundo era só d'amor,
Não pensei que havia amarguras
E que no coração habita a dor.

Sonhei que me afagavam as ternuras
De leda vida e que jamais palor
Marcou na face humana as desventuras
Que a lei de Deus impos com rigor.

Sonhei tudo azul e cor de rosa.
E a sorte ostentando-se furiosa
Rasgou o sonho formoso que tive;

Sonhando sempre eu não tinha sonhado
Que n'esta vida sonha-se acordado,
Que n'este mundo a sonhar se vive!

Fernando Pessoa
In Poesias Ocultistas

junho 03, 2012

ARCO-ÍRIS



O amor pode ser lilás
suave e calma fragrância
o amor pode ser azul
embebido em noite e mar
pode ser vermelho
fruta madura explodindo
em incêndio
verde pássaro
abrindo a gaiola e tingindo
o mundo
branco espuma tecendo renda
amarelo derramado ouro
cor de laranja lavando com fogo
os sonhos.

Roseana Murray
In Lições de Astronomia

CANTIGA DOS TRÊS MOMENTOS





Ontem
os lírios brancos.
e nós dois no jardim.

Hoje
os bulbos dormindo,
a saudade sem fim.

Amanhã
das areias
talvez se erga uma voz:

Talvez
lírios de pedra
inda falem de nós...

Antonieta Borges Alves
in Lírios de Pedra

junho 01, 2012

RAINER MARIA RIKE


“A saudade é isto: viver nas ondas
E não ter pátria no tempo.
E desejos são isto: diálogos baixos
De horas diárias com a eternidade.

E a vida é isto: até que de um ontem
surge a mais solitária das horas
Que, sorrindo diferente das outras irmãs,
Vai calada ao encontro do eterno”.

Rainer Maria Rilke

O MUNDO ESTAVA NO ROSTO DA AMADA



o mundo estava no rosto da amada
e logo converteu-se em nada,
em mundo fora do alcance, mundo-além.
Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.
o mundo estava no rosto da amada

o mundo estava no rosto da amada
e logo converteu-se em nada,
em mundo fora do alcance, mundo-além.
Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.

Rainer Maria Rilke
(Tradução: Augusto de Campos)

O CISNE

Este cansaço de passar como que atado a coisas que ainda não foram feitas, parece o caminho incriado do cisne. E o morrer, esse desapegar-se do fundo em que diariamente estamos, seu tímido abandonar-se às águas que mansamente o acolhem e por serem felizes e já passadas, onda a onda, sob seu corpo se retraem; então, firme e tranqüilo, com realeza e crescente segurança, abandona-se o cisne ao deslizar. Rainer Maria Rilke