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abril 30, 2012

SAUDADE



Saudade é a imagem das recordações...
De luz acesa, crepitante chama
Que aquece a alma e gera evocações
E sem querer o desengano engana.

Saudade é um verso feito de emoções...
Acre perfume que a doçura emana
Torpor que entrando em nossos corações
Quanto mais embriaga, mais inflama...

Doce abandono... Ausência merencória...
De um passado distante a viva história
Que em nós conserva uma lembrança pura.

Saudade é o silvo agudo de um lamento
Que escutamos no perpassar do tempo
Como sendo delícia e amargura.


Bernardina Vilar

abril 29, 2012

VOU AGORA SONHAR



A minha vida, sempre inquieta como o mar,
É de renúncia, sacrifício e desencanto:
Enquanto vão e vêm as ondas do meu pranto,
Estende-se o horizonte, além do meu olhar...
Na imensidade azul fico a cismar, enquanto,
A refletir o céu, vai-se acalmando o mar...
Acalma-se também minha dor, por encanto:
— Já cansei de sofrer! Vou agora sonhar...

Da Costa e Silva


abril 27, 2012

O CORAÇÃO



O coração é a sagrada pira
Onde o mistério do sentir flameja.
A vida da emoção ele a deseja
como a harmonia as cordas de uma lira.

Um anjo meigo e cândido suspira
No coração e o purifica e beija...
E o que ele, o coração, aspira, almeja
É o sonho que de lágrimas delira.

É sempre sonho e também é piedade,
Doçura, compaizão e suavidade
E graça e bem, misericórdia pura.

Uma harmonia que dos anjos desce,
Que como estrela e flor e som floresce
Maravilhando toda criatura!


Cruz e Sousa, in
Poesias Completas

SAUDADE



Saudade! és a ressonância
De uma cantiga sentida,
Que, embalando a nossa infância,
Nos segue por toda a vida!

Da Costa e Silva,
in Poesias Completas


abril 26, 2012



Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.

António Gedeão


abril 23, 2012

INSTROSPECÇÃO


Nuvens lentas passavam
Quando eu olhei o céu.
Eu senti na minha alma a dor do céu
Que nunca poderá ser sempre calmo.

Quando eu olhei a árvore perdida
Não vi ninhos nem pássaros.
Eu senti na minha alma a dor da árvore
Esgalhada e sozinha
Sem pássaros cantando nos seus ninhos.

Quando eu olhei minha alma
Vi a treva.
Eu senti no céu e na árvore perdida
A dor da treva que vive na minha alma.

Vinícius de Moraes

VENHO DE LONGE



Venho de longe!
Trago nas mãos
Rosas das estações
Molhadas pela neblina do tempo
Converti em canções a minha dor
Imortalizei a saudade na poesia
Dentro do real,
Fotografei o imaginário
Com passos incertos
Caminhei sobre montanhas
Floridas de fantasias
E na magia
Recriei paisagens
Tempestades e calmarias!

Conceição Bentes


SILÊNCIO


Cala. Qualquer que seja esse tormento
que te lacera o coração transido,
guarda-o dentro de ti, sem um gemido,
sem um gemido, sem um só lamento!

Por mais que doa e sangre o ferimento,
não mostres a ninguém, compadecido,
a tua dor, o teu amor traído:
não prostituas o teu sofrimento!

Pranto ou Palavra - em nada disso cabe
todo o amargor de um coração enfermo
profundamente vilipendiado.

Nada é tão nobre como ver quem sabe,
trancado dentro de uma dor sem termo,
mágoas terríveis suportar calado!

Medeiros e Albuquerque


JORNADA DA ALMA


Começo minha busca pelo coração
domesticando a natureza brusca,
lapidando o instinto
racionalizando o erro cometido

Averíguo passos em falso
abstendo-me do deslaço,
devolvendo amor para o descaso.

É a evolução do ser que se dá,
na renovação que se confirma,
nessa busca infinda do caminho da paz.

Conceição Bentes


abril 22, 2012

NINGUÉM ME HABITA



Ninguém me habita. A não ser
o milagre da matéria
que me faz capaz de amor,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa me rever no outrora.
Ninguém me habita. Sozinho
resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiúras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.

Thiago de Mello



UM CORAÇÃO DE MADEIRA



De madeira lilás (ninguém me crê)
se fez meu coração. Espécie escassa
de cedro, pela cor e porque abriga
em seu âmago a morte que o ameaça.
Madeira dói?, pergunta quem me vê
os braços verdes, os olhos cheios de asas.
Por mim responde a luz do amanhecer
que recobre de escamas esmaltadas
as águas densas que me deram raça
e cantam nas raízes do meu ser.
No crepúsculo estou da ribanceira
entre as estrelas e o chão que me abençoa
as nervuras.
Já não faz mal que doa
meu bravo coração de água e madeira.


Thiago de Mello




"A saudade que dói mais fundo –
e irremediavelmente –
é a saudade que temos de nós."

Mario Quintana



OS AMIGOS AMEI...



Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade
in "Coração do Dia"

SENHOR LIBERTAI-NOS



«Senhor libertai-nos do jogo perigoso da transparência
No fundo do mar da nossa alma não há corais nem búzios
Mas sufocado sonho
E não sabemos bem que coisa são os sonhos
Condutores silenciosos canto surdo
Que um dia subitamente emergem
No grande pátio liso dos desastres»


Sophia de Mello Breyner Andresen
in: Geografia


abril 20, 2012

PEQUENA LÁGRIMA ATENTA



Esse rosto na sombra, esse olhar na memória,
o tempo do silêncio, os braços da esperança,
uma rosa indefesa - e esse vento inimigo.

Ficou somente a luz do constante deserto,
e o sobrenatural reino obscuro do vento,
com seu povo indistinto a carpir noutro idioma.

Idéias de saudade em tal paisagem morrem.
Que arroio pode haver, de contínuos espelhos,
a repetir o que é deixado? Por devota,

solidária ternura e aceitação da angústia?
- Ah, deixarei meu nome entre as antigas mortes.
Só nessas mortes pode estar meu nome escrito.


Cecilia Meirelles

Ó PESO DO CORAÇÃO


Ó peso do coração!
Na grande noite da vida,
teus pesares que serão?

A sorte amadurecida
resplandece em minha mão:
lúcida, clara, polida.

Nem saudade nem paixão
nem morte nem despedida
seu brilho escurecerão.

Na grande noite da vida
brilha a sorte. O coração,
porém, é a dor desmedida.

Maior que a sorte e que a vida...

Cecília Meireles


De quem é a culpa?


Nasci em 1950. Claro que esperava o ano 2000 cheio de coisas impensadas, mas nem vi tanta diferença. Na década de 60, na minha cidadezinha de interior, lembro-me que havia uma senhora separado por adultério. Era de família importante, rica, tinha dois filhos. Um dia, tentou entrar no clube da cidade, pela manhã, para os filhos verem a festinha de carnaval, e foi barrada!
Comum também era que, se uma garota perdesse a virgindade o pai arranjava um casamento, com o “autor” ou qualquer outro, pois ela corria o risco de terminar “fichada” como prostituta.
Eram coisas que me surpreendiam já naquela época.
E hoje me choca profundamente ver mulheres sendo apedrejadas, ou enroladas até aos pés em longas roupas, as vezes sem mostrar os olhos sequer.
Não me cabe julgar religião ou aspectos culturais, mas me choca. E não entendo porque elas não lutam!
Aqui no Ceará, nordeste do Brasil, todo dia morrem mulheres assassinadas por quererem a separação. Verdadeiras tragédias.
E ainda existem sociedades que não aceitam mulheres. Em pleno século XXI, literalmente fechadas. E, a exemplo do antigo templo dos judeus, tem o lugar dos homens e o lugar separado para as mulheres se reunirem.
Por que elas aceitam isso? Por que ficam por lá, fazendo um papel ridículo, trabalhando por uma causa que nem sabem qual é?
Jesus, quando morreu, o véu do santuário se rasgou, “de cima para baixo”, uma tarefa impossível a homens, e com isso, ele deu acesso ao Santo dos Santos à todas as pessoas, homens e mulheres e não só ao sacerdote.
Somos todos livres na presença de Deus, então por que aceitar essa separação de homens?
De quem é a culpa de existir ainda isso? Nem preciso responder!

regina helena

abril 11, 2012

Al amor



Al amor

Cuántas veces, amor, por retenerte
puse a tus pies mi juventud rendida.
Y cuántas a pesar de estar herida
te la volví a entregar por no perderte.

Cuántas veces también, altivo y fuerte,
por alcanzar la gracia prometida,
me batí frente a frente con la vida,
o me hallé cara a cara con la muerte.

Y hoy, cuando mi ilusión vuelve a tu lado
trayéndole al misterio de tu hechizo
la pluma azul del pájaro encantado,

torna otra vez a mi pupila el lloro
al mirar desde el puente levadizo
que está cerrado tu castillo de oro.


Alberto Ángel Montoya



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abril 08, 2012

NÃO ENCONTRASTE A RUA



NÃO ENCONTRASTE A RUA

Não encontraste a rua
Não encontraste a casa
Não encontraste a mesa
No café que alguém
Por engano indicou.

Mas a cidade é esta
E não outra

Não encontraste o rosto

O anel caiu
Ninguém sabe aonde.


Alberto de Lacerda



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abril 07, 2012

Solidão


Solidão
(Juan Ramón Jiménez)

Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!

Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.

És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!

Juan Ramón Jiménez,
em "Diario de Un Poeta Reciencasado"

abril 06, 2012

POEMA RECLUSO


POEMA RECLUSO
(Genaura Tormin)

No horizonte,
Moribundo se curva o sol poente.
Um dia a mais passou sem que eu te visse.
O poema recolheu-se medroso
Ao frio de minha tristeza.
Tudo extremamente só!

Os momentos se arrastam
E a nossa música agoniza,
Chegando a ferir os meus ouvidos.
Há um marasmo no ar.
Um gosto fúnebre,
Uma carência dolorida.
Tudo tão eterno, feito a saudade tua.

Não há aroma de flores,
Nem cantar de pássaros...
O vento está parado,
Nem sibila a ramagem lá fora.
Apenas a companhia de fantasmas.

Parece o fim!
Faz frio na alma,
E congelado está o amor
Nos compartimentos de mim.