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março 16, 2009
EU QUERIA ANDAR...
EU QUERIA ANDAR
(Genaura Tormin)
Sentia-me cheia de asas, mais do que precisava. E o meu maior desejo era conseguir andar de muletas para enfeitar o estado de felicidade. Precisava apenas de tempo com menos atividade profissional para dedicar-me aos treinos.
Satisfazia-me pensar que ainda poderia olhar as pessoas testa a testa, alcançar as janelas, mesmo usando o aparelho ortopédico (tutor longo com cinto pélvico). Para isso, fui informada de que precisava emagrecer, o que fiz com muito entusiasmo. Entretanto fui aconselhada por minha médica a desistir do intento, tendo em vista a lesão medular altíssima (logo abaixo dos seios), a faixa etária e a vida profissional agitada.
Explicou-me a Dra. Celi que a cadeira de rodas oferecia-me mais liberdade de movimentos e, conseqüentemente, um cotidiano mais alegre e com menos riscos. Com o aparelho, qualquer deslize levar-me-ia ao chão, além de ficar com as mãos sempre ocupadas com as muletas. “Não combina com o seu temperamento”, disse-me ela a sorrir. Uma queda poderia render algumas fraturas. O esforço exagerado para carregar o corpo poderia comprometer os braços. Era uma questão de aceitação.
Assim foi embora o meu último sonho de andar. Esgazeou-se na amplidão. Escondeu-se entre as nuvens. Derramou-se em lágrimas ante as conjeturas do nada. Mesmo desafiando, como Ícaro, voei em direção ao sol sem perceber que as asas eram de cera. Eu não podia mais voar. O sol derreteu-me as asas e o sonho acordou de olhos vermelhos a procurar novo jeito de ser feliz. Afinal sonhar é preciso.
De acordo com o meu tempo disponível, ainda uso o tutor longo com cinto pélvico para ficar de pé. Costumo chegar às janelas e varandas e fico feliz ao sentir-me grande, vendo as árvores, o movimento das ruas, os transeuntes... Por vezes, a saudade fica mais forte do eu e as lágrimas insistem em fazer-me companhia, atrapalhando o meu exercício. Meu corpo é paralítico, mas o meu espírito é andante, faceiro, dançarino, fazendo-se enfeitar pela auto-estima e pelo desejo de viver, pois não tenho algemas nem porteiras.
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